Coronavírus: governo precisa ter plano para população vulnerável
Até agora, os casos de coronavírus no Brasil estavam restritos a pessoas que fizeram viagens internacionais ou tiveram contato com quem viajou. A doença acometeu, a princípio, classes sociais mais altas. Mas a pandemia, a partir deste momento, deve alcançar os países latinoamericanos e os brasileiros mais vulneráveis, crescendo exponencialmente no país. Um dos pontos principais de prevenção é, além da higiene das mãos e cuidados com tosse e espirro, reforçar o sistema imunológico. Para isso, uma alimentação saudável é fundamental.
Acontece que a extrema pobreza vem aumentando. Com ela, a fome. Segundo o IBGE, 13,5 milhões de pessoas sobrevivem no país com até R$ 145 mensais, o pior patamar em sete anos. Quem está subnutrido tem mais chances de contrair doenças e a letalidade do coronavírus aumenta quando o corpo não está saudável – por isso a preocupação com os idosos e com pessoas que têm enfermidades prévias. Mas é preciso olhar também para as populações das favelas, para quem não tem acesso a saneamento básico (35,7% dos brasileiros não têm esgoto, segundo o IBGE), para os trabalhadores que dependem do transporte público lotado, para quem é motorista de aplicativos, para quem não tem com quem deixar o filho e precisa sair para o emprego, do contrário, não recebe pagamento, como é o caso de muitas trabalhadoras domésticas diaristas. "Precisamos de investimento público e de um baita aumento na rede de proteção social. Ignorar isso é irresponsabilidade, ignorância ou desonestidade intelectual", afirmou, no Twitter, a economista Monica de Boille, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics e diretora do Programa de Estudos Latinoamericanos da Johns Hopkins University.
Como o Brasil já tem 98 casos confirmados (na sexta, 13), a preocupação aumentou. Não há, no entanto, nenhuma medida programada para fortalecer a rede de proteção social por enquanto. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, sugeriu um plano de aulas remotas para "evitar aglomeração e transmissão mais aguda do coronavírus". Mas seria importante prever de que forma os estudantes mais carentes terão acesso à alimentação – como as crianças que só comem quando vão à escola – e à internet. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (Democratas), desencorajou a medida, mas não a descartou. Não se preocupou, porém, com o acesso à alimentação. "Quando isso acontece [as escolas fecham], as crianças geralmente são deixadas com os avós e quem queremos proteger desse vírus são justamente os mais idosos. Então fechar as escolas colocaria um dilema. É possível? Sim. Talvez seja necessário em algum momento? Sim, mas quero lembrar sempre que os idosos e os doentes crônicos são objeto principal de proteção nessa crise", afirmou o ministro.
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Mandetta defendeu nesta quarta-feira (11) a liberação de R$ 5,1 bilhões do Orçamento para combater o avanço do coronavírus no Brasil, equipando o Sistema Único de Saúde (SUS), oferecendo testes rápidos, antecipando a vacina contra a gripe, ampliando leitos de UTI. "O grupo técnico [que atua com o ministério da Saúde] é bastante competente. Acredito que nos próximos dias algumas novas medidas serão tomadas, entre elas o confinamento. Tudo tem que ser feito com cautela, de uma forma que a população compreenda os riscos que a gente corre quando não tomamos essas medidas nos tempos certos, para não sobrecarregar o serviço público. É uma situação muito inusitada. O principal é evitar a sobrecarga do serviço público", avalia a médica Maria Cássia Jacintho Mendes Correa, professora do departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP. Ela afirma que daqui a cerca de duas a três semanas atingiremos o grau de expansão que os Estados Unidos têm neste momento.
O ministro da Saúde tem tido uma postura técnica importante e transparente, cercado de profissionais competentes e pesquisadores de ponta. Seu posicionamento destoa de outros ministros do governo Bolsonaro. O secretário de Comunicação, Fabio Wajngarten, voltou dos Estados Unidos (onde esteve com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em encontros com o presidente americano Donald Trump) e testou positivo para o vírus covid-19. Em vez de se pronunciar com a seriedade necessária para o momento, Wajngarten culpou a imprensa e ofendeu o médico oncologista Drauzio Varella. "Estou bem, não precisarei de abraços de Drauzio Varella." Agora o próprio presidente está sendo monitorado
A atitude do chefe da Secom não condiz com lideranças de governo que precisam estancar uma crise de saúde, econômica e social. O país precisa de liderança séria, sóbria, que dê segurança à população. Porém, o próprio presidente da República tem negado a expansão da pandemia. Reproduzindo um comportamento que teve Trump, no início da contaminação nos Estados Unidos, Bolsonaro disse que o problema com o coronavírus é mais "uma fantasia" que "a mídia propaga".
Não é hora de dividir o país (mais do que estamos contrapostos). Talvez o único aspecto positivo da chegada do coronavírus aqui seja que ele obriga o Brasil a se unir, estimula o Congresso e os ministros a tomarem – finalmente – decisões conjuntas a favor da nação. Talvez agora fiquem claros os interesses de Paulo Guedes (Economia), que terá de tomar atitudes para além das importantes mudanças estruturais que tem proposto. A pandemia também faz com que os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (Democratas) e Davi Alcolumbre (Democratas), respectivamente, tomem a dianteira no diálogo com o governo, aproveitando o flanco aberto pela emergência do coronavírus.
Quarentenas e isolamentos: medidas necessárias, mas com consequências complexas
Quarentena é a separação e restrição de movimentação de pessoas que foram expostas a uma doença infecciosa, reduzindo os riscos de espalhar a contaminação. Isolamento é a condição de separação de pessoas diagnosticadas com a doença daqueles que não foram afetados por ela. Essas medidas estão sendo amplamente decretadas na Itália, por exemplo. São condições que podem gerar ansiedade, transtornos psicológicos como estresse, estresse pós-traumático, perda de vínculos, ansiedade e possibilidade de produzir estigmas sobre as pessoas suspeitas de estarem contaminadas. "Por isso, essas restrições precisam ser pontuais e de curto prazo. A tendência é que a situação seja mais grave em grupos historicamente mais vulneráveis, como as mulheres negras e pobres", afirma Thais Lasevicius, psicóloga e mestranda em Serviço Social e Políticas Sociais pela Unifesp. Ela alerta para a importância de equipar o SUS na atenção primária, no controle da doença e na prevenção a novos casos.
Há um cenário que piora qualquer medida drástica que precise ser tomada: existem 12 milhões de desempregados no país. A economia mundial está desacelerada e, com as quarentenas, o fluxo de produção despencou. "Os impactos desse travamento se retroalimentam com a queda no consumo das famílias, das empresas e dos governos. Sem produção de insumos, a produção industrial mundialmente integrada entra em colapso", explica o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, consultor, técnico e ex-diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico). "Na medida que o vírus se espalha em mais da metade dos países, o travamento vai se ampliando, sem data para acabar. O destravamento é complexo e levará tempo. Os impactos sobre os empregos e a renda dos trabalhadores serão severos, além dos riscos sobre a saúde e a vida."
Ganz Lúcio afirma que, além das medidas relacionadas diretamente à saúde, o Brasil precisa de estratégias simultâneas e combinadas que dizem respeito a retomar investimentos públicos, garantir a renda das pessoas e a liquidez das empresas, com capital de giro, alongamento dos prazos para pagar dívidas, desoneração temporária. "É urgente atuar pensando em todos os brasileiros e brasileiras, protegendo especialmente os mais fracos, pessoas e empresas."
No mais, o Brasil é um país que se abraça. Nosso povo se identifica por esse gesto solidário e acolhedor. "Se abraçar virou crime ou risco à saúde, o que será do Brasil", escreveu em uma rede social o jornalista Jorge Félix, especializado em envelhecimento populacional, pesquisador (CNPq), mestre em Economia e doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP. "Agora, sem o abraço, o Brasil está ainda mais irreconhecível."" Até o Cristo Redentor está lá, "sem cruz, de braços abertos, no gesto mais brasileiro de todos". O Brasil é o país daquele abraço cantado por Gil. Ou será que também perdemos essa expressão tão brasileira de afeto?
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