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Maria Carolina Trevisan

Boulos: “Reação da oposição ao governo está aquém da gravidade da situação”

Maria Carolina Trevisan

09/03/2020 12h00

Ex-candidato à presidência e líder do MTST avalia que reação ao governo está aquém da gravidade – Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

Nos tempos atuais, a democracia vai se degradando aos poucos. Essa deterioração não vem embalada em um tanque militar, apesar da enorme quantidade de militares no governo Bolsonaro. Ela se dá por meio de ataques sistemáticos às instituições e à imprensa. Abre caminho para a implementação de medidas autoritárias, para a reversão de políticas públicas sociais, para a consolidação do ódio como meio de governar. Planta o caos para desestabilizar os Poderes e esconder a própria incompetência.

Esse modo de operar serve também para desviar o foco de assuntos que o governo não quer discutir, tais como: o conflito de interesses do secretário de comunicação, Fabio Wajngarten, que aproveitou para retomar sorteios via emissoras de televisão, especialmente para seus clientes; a inabilidade de lidar com o Congresso para avançar reformas; o fracasso na economia, que alcança crise mesmo com juros e inflação baixos; a participação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no envio de mensagens de ódio, revelado pela repórter do UOL Constança Rezende; a possível influência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na perícia dos celulares do ex-capitão da PM e chefe da milícia Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro pela polícia da Bahia.

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Sinais de alerta para um governo altamente autoritário incluem rejeição às regras democráticas do jogo, negação da legitimidade dos oponentes, tolerância e estímulo à violência e restrição de liberdades civis, inclusive à mídia, características do governo Bolsonaro. "A investida contra a democracia começa lentamente. Para muitos cidadãos, ela pode, de início, ser imperceptível. A erosão da democracia acontece de maneira gradativa. As iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade", alertam os cientistas políticos Steven Levitisky e Daniel Ziblatt no livro "Como as Democracias Morrem(Editora Zahar).

Por exemplo, há um discurso de que as manifestações do dia 15/3 seriam "demanda do povo". Que povo? O povo não pede o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF). É uma parcela de bolsonaristas extremistas, saudosos da ditadura, que defendem esse tipo de ação. Ocupar as ruas é legítimo, sim. Mas exigir atitudes que fragilizam a democracia é um ato populista e autoritário. "Dia 15 agora tem um movimento de rua espontâneo. O político que teme movimento de rua não serve para ser político. É um movimento pró-Brasil", disse Jair Bolsonaro, em escala em Boa Vista (RR) no sábado, 7.

Agora o governo instaura nova reviravolta: estuda desmobilizar atos do dia 15 com a desculpa de que a aglomeração poderia aumentar o surto de coronavírus, informou a jornalista Vera Magalhães, no blog BRPolítico. Seria um argumento defendido por alguns ministros e que foi primeiramente aventado pela deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) – já na Quarta de Cinzas (26/2) –, a mesma que capitaneou a polêmica envolvendo o médico Drauzio Varella e a reportagem sobre o abandono das presas trans.

Mas como a oposição ao governo e os movimentos sociais estão vendo e se posicionando neste momento do país? Para o ex-candidato à Presidência da República e líder do MTST, Guilherme Boulos (PSOL), a reação dos parlamentares ainda é tímida. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais estão se reorganizando. "A reação ao dia 15/3 será expressiva em todo o Brasil. As pessoas estão cada vez mais impacientes com o governo Bolsonaro", afirma. Ele acaba de anunciar também a pré-candidatura à eleição para a Prefeitura de São Paulo com Erundina como vice.

UOL: Como o senhor está vendo este momento do governo? Estamos no ápice da crise?
Guilherme Boulos: A crise tem tido uma escalada, desde os últimos meses, progressiva. O Bolsonaro atua usando uma tática militar de aproximações sucessivas. Ele vai dando passos, testando os limites da sociedade, testando o limite da opinião pública, das instituições, da imprensa. E cada vez alargando mais esse limite. Por exemplo, o AI-5. Há algum tempo, falar de AI-5 era coisa de doido, é história, é passado. Aí o filho fala, aí o Guedes fala. E você vai naturalizando aquilo que é absurdo. Expandindo as fronteiras do tolerável na sociedade. É assim que o Bolsonaro tem ampliado sua ofensiva autoritária. Para mim não resta a menor dúvida que o Bolsonaro quer impor uma ruptura institucional, ele quer uma saída autoritária. E os gestos são vários. É a forma como trata a imprensa, a forma como ele trata jornalistas, as mentiras que ele propaga de maneira sistemática no seu discurso público, na sua narrativa. O conflito permanente, a operação de guerra contra todas as instituições, o tratamento na lógica do inimigo contra qualquer tipo de crítica de oposição, se cercar de militares, se articular com milicianos, infiltrar a sua turma em polícias militares, para ter um controle por baixo dessas tropas. Ele vem colocando condições para uma saída autoritária e, se a sociedade não barrar essa escalada, nós estamos longe do fim. Ainda pode piorar muito. Por isso, é necessário ter mobilizações e ter uma reação da sociedade.

O senhor acha que essa escalada autoritária poderia chegar a um golpe militar?
Não acho que exista clima para um golpe estilo século 20, estilo 1964: tanque na rua, fecha a porta do Congresso e do Supremo. Dificilmente seria assim. Mas as formas de golpe se sofisticaram. Elas vão cada vez mais combinando uma aparência de legalidade, uma aparência de institucionalidade com práticas profundamente autoritárias e de exceção. Pega o que aconteceu na Bolívia. Não teve tanque na rua, aliás, o Exército se aquartelou. E deu um ultimato para Evo depois que eles impulsionaram o golpe com milícias fundamentalistas, que sequestraram parentes de ministro, que meteram fogo na casa da irmã do Evo, que saquearam a casa do Evo. Então, em tese, a polícia, o Exército, o aparato do Estado não deu um golpe. Mas se omitiu e chancelou. Pega o que foi o fujimorismo no Peru. Você vai achacando as instituições, centralizando qualquer tipo de reação sem necessariamente de dar um golpe militar no sentido clássico. A estratégia do Bolsonaro é muito mais de tutela sobre o conjunto das instituições impondo um autoritarismo na base da sociedade do que propriamente um golpe militar estrito senso.

Por que a oposição e os movimentos sociais não estão reagindo à altura da ameaça?
A reação ainda está muito aquém da gravidade da situação. Incluo nisso a própria oposição. Nós ainda não conseguimos fazer uma reação à altura da ameaça que o Bolsonaro representa à democracia brasileira. Isso tem a ver com um discurso, a mesma narrativa pela qual ele se elegeu, que a Operação Lava Jato ajudou a coroar, de que política não presta no Brasil. O sentimento de rechaço à política, de antipolítica na sociedade, que dá condições para desmoralização completa de todas as instituições e para surgir o salvador da pátria com plenos poderes, que diz que não está conseguindo governar porque o Congresso não deixa, porque a imprensa só fala mal dele, porque a esquerda não deixa, e vai se aproveitando desse clima de antipolítica na sociedade para construir uma base social cada vez mais radicalizada, cada vez mais extremista. O Bolsonaro se usa desse caldo. Esse caldo tem força na sociedade. Esse caldo o elegeu presidente da República. Isso explica parte da nossa dificuldade de mobilizar massivamente a sociedade em relação a isso. Mas acho que começa a ter uma reação. As mobilizações que estão convocadas para o dia 18/3, em reação ao dia 15/3, vão ser mobilizações grandes, expressivas no Brasil. Eu mesmo tenho feito várias reuniões, assembleias, nas periferias e nos bairros, e as pessoas estão cada vez mais impacientes com o governo Bolsonaro, tanto pelo que ele representa de autoritarismo, mas também porque ele não apresenta soluções práticas para a vida do povo. Nós vimos agora o PIBinho. A agenda econômica desse governo é devastadora, dilapida direitos, dilapida o patrimônio público e não apresenta nenhuma solução, nenhuma melhora no desemprego, nas condições de trabalho, na massa salarial. Já se passou um ano, que é o tempo em que o povo em geral dá de salvo-conduto para qualquer presidente. Agora a impaciência das pessoas com a falta de respostas também aumenta. Eu acho que isso pode gerar uma química que amplia as mobilizações no Brasil contra o governo Bolsonaro.

Qual a sua expectativa para o dia 15/3?
Eles estão usando o peso total das redes deles para mobilizar. Eu acho que vai ser um teste, um termômetro, de até que ponto está a capacidade de mobilização do bolsonarismo mais duro, mais truculento, autoritário, representado pelo general Heleno. É óbvio que foi jogo ensaiado aquele suposto vazamento da fala do Heleno sobre o Congresso, que desencadeou as manifestações, com o posterior vazamento do WhatsApp do Bolsonaro chancelando elas. Existe um esforço deles, do submundo, do esgoto da milícia virtual, de mobilização. Vamos observar para ver o tamanho e vamos construir uma resposta importante no dia 18 de março.

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.