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Maria Carolina Trevisan

Negar sala de Estado Maior a Lula contraria decisão do próprio Moro em 2018

Maria Carolina Trevisan

07/08/2019 17h32

Ex-presidente Lula concede entrevista a Monica Bergamo. Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

A decisão da juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, nesta quarta (7), de transferir o ex-presidente Lula para São Paulo não tem fundamento razoável, segundo Fábio Tofic Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Para ele, a decisão pode revelar uma atitude de retaliação — que tem caracterizado o governo Bolsonaro — à publicação de mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e publicadas por Folha, UOL, Veja, Reinaldo Azevedo e El País.

A juíza negou também o direito à sala de Estado Maior, prerrogativa de ex-presidentes. Contrariou até mesmo a decisão do ex-juiz Sergio Moro, quando determinou a prisão de Lula em 5 de abril de 2018. Naquele momento, Moro designou que "em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintendência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-Presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física", como confirma o despacho.

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Em janeiro deste ano, quando a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu à Justiça o direito do ex-presidente comparecer ao velório do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, a juíza Lebbos negou. Alegou "concreta impossibilidade logística de proceder-se ao deslocamento" e, por isso, iria impor "a preservação da segurança pública e da integridade física do próprio preso", mantendo Lula na carceragem da PF em Curitiba. 

Para entender o que pode estar por trás dessa decisão, leia a entrevista completa com Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD:

Universa – Como o senhor vê a decisão da juíza Carolina Lebbos de transferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da carceragem da Polícia Federal em Curitiba?
Fábio Tofic Simantob – É um governo que tem se movimentado sempre no tom de retaliação perante coisas, vimos isso em relação ao presidente da OAB, em relação aos jornais. Então, interessa muito saber os reais motivos dessa medida. Estranha mudar uma situação que está acomodada, que é extremamente delicada como é a prisão de um ex-presidente da República, que envolve segurança, aparato, condições adequadas. Essa é a primeira coisa que preocupa, interessa e deveria ter um esclarecimento um pouco mais efetivo sobre isso. Nós não podemos esquecer que o governo é que manda na Polícia Federal e ela é subordinada ao ministro Sergio Moro. A sociedade precisa de um esclarecimento melhor sobre as razões disso.

Quem pode exigir esses esclarecimentos?
A defesa mesmo. Se não for fornecido, o Supremo pode agir em última instância. Da forma como esse governo vem se comportando, precisamos entender se essa foi uma medida administrativa, com razões que precisam ser esclarecidas, ou se tem alguma outra motivação, que não seria de se estranhar em um governo que age dessa forma, retaliando pessoas que o incomodam, que o desagradam.

Em sua decisão, a juíza alegou que a presença do ex-presidente tem gerado distúrbios como aglomerações, episódios de violência ao redor da carceragem da Polícia Federal, entre outros transtornos.
Os distúrbios vão deixar de acontecer em outro lugar? Que distúrbios são esses? Alguém já ouviu falar de algum distúrbio sério que aconteceu? Inconveniente é claro, há sempre um inconveniente, um ex-presidente está preso. Agora, que distúrbios são esses? Surgiram agora, depois de um ano e seis meses? Está mal explicado, mal fundamentado. Não me parece que de repente descobriram que é desagradável mantê-lo lá. É isso que estranha.

O que o senhor pensa sobre encaminhar Lula a Penitenciária de Tremembé?
Tremembé é um dos presídios mais adequados, mas certamente Lula será mandado para um local em condições piores das que ele tem hoje. Eu duvido que algum dos presídios de São Paulo tenha condições de atender às exigências que a condição de ex-presidente exige, que é a de uma sala de Estado Maior, um local que não pode ser uma cela, com condições mínimas de dignidade, de higiene, uma sala só para ele. Não só ele, mas várias autoridades têm direito. Eu tenho dúvidas se o sistema prisional paulista tem condições de atender isso.

Existe algum risco à vida e à integridade física do ex-presidente Lula? 
Risco é uma coisa muito difícil de avaliar. Quando se trata de sistema prisional, principalmente o brasileiro, risco sempre existe. Ele pode ser maior ou menor e depende da temperatura de cada ambiente. Mas quando se fala em sistema prisional, se fala de inúmeros riscos à integridade física de quem está preso. Por isso, estranha muito que uma situação tão delicada, que está muito bem administrada em Curitiba, seja alterada abruptamente, sem nenhuma justificativa razoável, relevante — além dos custos e das dificuldades que a situação adversa prevê. São riscos desconhecidos, novos. É isso que espanta. Até como autoridade pública há risco. Eu pensaria 10 vezes antes de fazer isso. Porque, em última análise, quem está tomando essa decisão responde pela integridade física do preso. Isso realmente gera uma perplexidade.

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.