Pacote de Moro é muito mais resposta política do que proposta efetiva
Maria Carolina Trevisan
05/02/2019 14h02
Ministro Sergio Moro – Foto: Marcelo D. Sants/FramePhoto/Folhapress
O pacote de medidas anticrime anunciado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, nesta segunda-feira (4), responde aos anseios de bolsonaristas mas não está direcionado à sociedade como um todo. É uma proposta populista que agrada os eleitores do presidente. Porém, pouco tem a ver com a diminuição da violência de fato.
"Na prática, o pacote anticrime de Moro é muito mais uma resposta política do que uma proposta efetiva", afirma Arthur Trindade Maranhão, doutor em Sociologia, coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência e a Segurança da Universidade de Brasília e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso porque não traz nenhuma proposta que visa proteger jovens negros – 70% das 63.880 vítimas de homicídios no Brasil.
Ao contrário, a proposta estimula o uso da violência letal como ferramenta de legítima defesa movida por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Mas como medir isso? Essa ideia, junto com a flexibilização da posse de armas, é pólvora para a violência letal e pode piorar casos de violência doméstica e banalizar ainda mais os homicídios contra negros e pobres. Em um país racista como o nosso, as pessoas consideradas "suspeitas" têm cor e classe social. Daí que as miras das armas, legitimadas por um suposto "medo escusável", seguirão apontadas para esses brasileiros.
"Nesse caso, o que a lei vai fazer é estimular a ação – o que é extremamente reprovável – passando a mão na cabeça do excesso, inclusive o doloso, estimulando um bang-bang", explica Marcelo Semer, juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo. Causa preocupação também o trecho que amplia a legítima defesa para "risco iminente de conflito armado", que pode favorecer a violência policial. "Essa medida permite ao policial agir antes, portanto, sem agressão", diz Semer. De acordo com o Monitor da Violência, a polícia matou 5.012 pessoas em 2017. No mesmo ano, 385 policiais foram assassinados. De acordo com a OAB, a polícia brasileira já é a que mais mata no mundo.
"Em hipótese alguma o pacote de Moro trabalha com a perspectiva da prevenção da violência. Não aposta em inteligência policial, na prevenção de homicídios, no fortalecimento de penas e medidas alternativas", alerta Guilherme de Almeida, professor de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP.
"Pelo contrário. É um pacote goela abaixo, que não foi discutido e não está direcionado à sociedade como um todo."
Para o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), "o pacote é inócuo, panfletário e, em diversos pontos, flagrantemente inconstitucional. Abre espaço, ainda, para o agravamento da violência estatal contra a população pobre e negra das periferias, alvo historicamente preferencial do sistema de justiça penal". O IDDD avalia que, se aprovada, a proposta significará o maior retrocesso em matéria penal desde a redemocratização.
Em nota, o conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública questionou a falta de medidas para prevenir a violência e melhorar a estrutura do sistema de segurança pública. "O projeto ignora temas importantes para o setor, como a reorganização federativa, o funcionamento das polícias – e suas carreiras e estruturas -, governança, gestão ou sistemas de informação ou inteligência. Também não há clareza sobre ações dos governos estaduais e da União no enfrentamento da corrupção policial, que é um dos aspectos que contribui para o surgimento de milícias."
Do ponto de vista dos direitos individuais, o ministro Moro propõe medidas que violam os princípios da presunção de inocência e da individualização da pena, que são direitos constitucionais. E podem, ainda, agravar as condições que alimentam as organizações criminosas e são geradoras de violência, como o colapso do sistema prisional, uma vez que propõem encarcerar mais e por mais tempo, sem melhorar a estrutura do sistema prisional.
Contatado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Veja dados sobre a violência letal no Brasil segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública:
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Sobre a autora
Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.
Sobre o blog
Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.