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Brumadinho: prisões temporárias são exagero jurídico, dizem especialistas

Maria Carolina Trevisan

29/01/2019 19h18

Lama que tomou Brumadinho após rompimento de barragem – Foto: Cristiane Mattos/Futura Press/Estadão Conteúdo

A falta de responsabilização pelo desastre que ocorreu em Mariana (MG), em novembro de 2015, é certamente uma das causas para a tragédia de Brumadinho (MG). Mas é preciso ter cautela ao apontar culpados. As prisões temporárias dos engenheiros André Jum Yassuda e Makoto Manba, contratados pela empresa alemã Tüv Süd, que fez a auditoria na barragem que se rompeu, e dos gerentes da Vale Cesar Augusto Paulino Grandchamp, Ricardo de Oliveira e Rodrigo Artur Gomes Melo, como responsáveis pelas mortes na tragédia de Brumadinho podem ser precipitadas.

As prisões decretadas pela juíza Perla Saliba Brito Juíza de Direito da Comarca de Brumadinho, Justiça de Minas Gerias, parecem responder mais ao clamor social do que à Justiça. "Não se nega a imensa gravidade dos fatos. O problema é se cabe a prisão temporária, uma medida extremamente gravosa, com requisitos legais bastante rígidos", questiona Aury Lopes Jr, professor e doutor em Direito Processual Penal da PUC-RS. "Esses requisitos legais não estão preenchidos nesse caso. O julgador considerou como sendo um homicídio qualificado, partindo de um conceito de crime doloso, o que me parece juridicamente um exagero da imputação".

Não vi fundamentos suficientes para chegar nessa conclusão.

A rapidez com que foram decretadas as prisões, sem tempo hábil para a investigação, indicam que pode haver uma tentativa de responder à comoção social por punição e conter a frustração pela falta de responsabilização por Mariana. Para Aury Lopes Jr, é óbvio que a imensa repercussão do fato contribuiu para as prisões. "Mas clamor popular não é fundamento para prisão temporária." É nessas horas que se cometem as maiores injustiças. 

As prisões poderiam ainda funcionar como uma tentativa de acelerar a investigação. Nessa situação, os presos apontariam os responsáveis pelas omissões que levaram ao rompimento da barragem. Ou mostrariam caminhos para encontrar crimes. "A prisão temporária tem o objetivo de auxiliar nas investigações. Mas, neste caso, não creio que seja capaz de ajudar nas investigações. A decisão soa muito mais como um instrumento de resposta imediata ao clamor que este terrível acontecimento gerou na sociedade", explica Daniella Meggiolaro, advogada criminalista, diretora do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e conselheira da OAB/SP.

"Considero a prisão temporária inconstitucional porque as pessoas são presas para produzir provas contra elas mesmas. É uma prisão ilegal nesse sentido. No caso de Brumadinho, servem para extrair depoimentos em situação de total coação que não traria informações relevantes para a investigação. O Ministério Público e a polícia têm outros meios de investigação que não dependem da prisão desses investigados", completa. 

Em sua decisão, a juíza Perla Saliba Brito afirmou que ser "necessária a prisão temporária dos investigados por ser imprescindível para as investigações do inquérito policial. Trata-se de apuração complexa de delitos, alguns, perpetrados na clandestinidade". As investigações apuram crimes de homicídio doloso, crimes ambientais e falsidade ideológica. A prisão temporária tem prazo de 30 dias prorrogáveis por mais 30.

Na hora do clamor, toda a cautela é necessária, sob risco de se cometer injustiças irreparáveis. A cautela, claro, não pode paralisar a responsabilização pelos crimes. Porém, o cumprimento da pena só pode acontecer após a condenação definitiva. O que se espera da Justiça é que tenha equilíbrio. E que preserve a presunção de inocência, direito constitucional de todos nós. As tragédias de Mariana e Brumadinho demonstram que a negligência, o descaso e a omissão são muito mais profundas do que laudos.

Até o final desta terça-feira 29, a tragédia vitimou 84 pessoas; Há 276 desaparecidas. 

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.