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Time de transição de Bolsonaro é termômetro do que virá para mulher e negro

Maria Carolina Trevisan

07/11/2018 11h24

Equipe de transição de Bolsonaro se reúne. Foto: dilvulgação

Depois de receber críticas pela falta de mulheres em sua equipe de transição, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), sinaliza que fará convites a quatro mulheres: três militares e uma economista. Ele pode nomear até 50 membros. Os nomes ainda não foram publicados no Diário Oficial da União. Ainda assim, a composição do time demonstra desequilíbrio de representatividade. Mulheres e negros correspondem a mais da metade da população brasileira. Se essas nomeações não se consumarem, será a primeira vez desde que foram instituídos os gabinetes de transição entre governos, em 2002, que não há mulheres ou negros na equipe.

Jair Bolsonaro justificou suas escolhas em seu Twitter, na tarde desta quarta-feira (7): "Não estou preocupado com a cor, sexo ou sexualidade de quem está na minha equipe, mas com a missão de fazer o Brasil crescer, combater o crime organizado e a corrupção, dentre outras urgências".

Na última segunda-feira (5), o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), apresentou o grupo de 27 técnicos que fará o diagnóstico das principais políticas públicas do governo de Michel Temer (MDB), apontará caminhos para os primeiros meses de governo e costurará acordos com o Congresso para votar – ou não – medidas que interessem ao novo governo. O time de homens brancos tem forte presença de militares – são sete até o momento – e de economistas. Além de não ter mulheres, um dos principais componentes, o deputado federal Julian Lemos (PSL), foi enquadrado na Lei Maria da Penha por três vezes, acusado de cometer violência contra sua irmã, Kamila, e sua ex-mulher, Ravena Moura. Em um dos processos, Kamila chegou a pedir medida protetiva contra Lemos para impedir que ele se aproximasse dela. O processo segue tramitando.

"A equipe de transição é um termômetro do que virá e a indicação inicial não foi boa", avalia a professora de Direito da FGV Direito, Catarina Helena Cortada Barbieri, que pesquisa direito, gênero e identidade. "A indicação de mulheres e negros para posições de alto escalão é um indicativo do grau de preocupação das estruturas políticas tradicionais com questões que afetam esses grupos de cidadãos. No campo simbólico, nomear mulheres ministras, por exemplo, daria o recado para a sociedade de que o presidente sabe que há muitas mulheres competentes e aptas a ocupar diversos cargos e que se preocupou em ir procurá-las e atraí-las para o seu governo. No campo substantivo, o presidente daria o recado de que dentro do seu governo haverá diversas vozes; pessoas com experiências distintas que tragam soluções que um grupo muito homogêneo não conseguiria pensar sozinho. Vozes e experiências diversas fazem o governo melhor para todos."

A escolha de Bolsonaro também caminha na direção contrária de outros países. Até o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, escolheu negros e mulheres para sua equipe de transição. No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau adotou uma política de igualdade de gênero na composição dos principais cargos de seu governo. No México, o presidente eleito, Andrés Manuel López Obrador, nomeou mulheres para metade dos ministérios e secretarias.

Campanha, proposta de governo e equipe de transição

Mulheres e negros correspondem à maioria da população brasileira. É fundamental que o presidente eleito considere o perfil da população para governar adequadamente e assumir políticas públicas que garantam direitos a todos os brasileiros. "Se Bolsonaro quiser fazer um governo de união, deverá levar em conta que a representatividade é importante para uma parcela significativa das brasileiras e dos brasileiros. Seria um avanço se caminhássemos na direção de gabinete paritário como o de Trudeau", afirma Catarina. É a equipe de transição que começa a esboçar os primeiros meses de governo e aponta quais são as suas prioridades.

Tanto a campanha do presidente eleito quanto sua proposta de governo e, agora, sua equipe de transição demonstram que a defesa dos direitos das mulheres ou da população negra não serão prioridades para o governo Bolsonaro. "É possível que tenhamos mais retrocessos nas políticas para mulheres, com a diminuição de recursos nessa área. O que mais me preocupa é perder recursos para o combate à violência contra a mulher", alerta Beatriz Rodrigues Sanchez, pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da USP e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap). Na campanha, Bolsonaro falou em castração química para enfrentar esse tipo de violência mas não abordou políticas de prevenção, como ações educativas, mais eficazes do que a aposta nas ações punitivas, segundo a pesquisadora.

De fato, no plano de governo do candidato eleito há muito pouco sobre políticas para mulheres. Estão centradas nas ações de segurança pública. Nas 80 páginas do plano de governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, há apenas uma menção à palavra "mulher". Aparece no capítulo "segurança e combate à corrupção", com o título: "OUTRO EXEMPLO DE MUDANÇA IDEOLÓGICA Combater o ESTUPRO de mulheres e CRIANÇAS!"

Reprodução da página da proposta de governo de Bolsonaro em que há única citação a mulheres

Nas conclusões que se seguem, a proposta de governo sugere investir em "inteligência e investigação das polícias; reduzir a maioridade penal; endurecer penas e acabar com os indultos e as progressões de pena; flexibilizar acesso às armas; fornecer outras excludentes de ilicitude a policiais (que garantam que ele possa agir com violência letal sem ser punido); redirecionamento das políticas de direitos humanos para que "priorize a defesa das vítimas"; além de criminalizar os movimentos de moradia, classificados no plano como "terrorismo". Nada relacionado a prevenção.

A equipe de transição de Bolsonaro antecipa o que ele almeja o novo governo.

"Essa equipe é a face do futuro governo: militarizado, autoritário, branco e masculino", afirma a ex-ministra de Desenvolvimento Social Tereza Campello, que participou dos governos de transição entre FHC e Lula e entre Lula e Dilma.

"É o contrário da transição de Lula, em que tínhamos mulheres com alta qualidade técnica, representatividade e experiência em cargos chave, como Ana Fonseca [pesquisadora da Unicamp e idealizadora do Bolsa Família, foi secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Social], Tânia Bacelar [economista e professora da UFPE, foi secretária de Políticas Regionais no Ministério da Integração Nacional], Dilma Rousseff [ex-presidente da República e ex-ministra da Casa Civil] e Miriam Belchior [mestre em administração pública, foi ministra de Planjemento, Orçamento e Gestão]", lembra a ex-ministra dos governos de Lula e Dilma.

A equipe de transição deverá atuar intensivamente nos próximos meses e se dissolverá dez dias após a posse do novo governo, com a exoneração de ofício de todos os nomeados. O time de transição pode ter até 50 componentes. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, sinalizou que fará convite a mulheres, três delas seriam militares. Poderão reforçar a área de segurança pública, não as políticas para mulheres.

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.