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Boaventura de Sousa Santos: Supremo se ajoelhou diante das pressões de cima

Maria Carolina Trevisan

30/08/2018 13h30

Boaventura de Sousa Santos fala sobre política, democracia e o papel do judiciário – Foto: Alice Vergueiro/IBCCrim

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, em passagem pelo Brasil, avaliou que a política está sendo degradada e o judiciário é um elemento central nesse processo. "É a politização do judiciário e a judicialização da política", afirma o autor de "A difícil democracia – reinventar as esquerdas" (Boitempo Editorial). Na abertura de um evento sobre ciências criminais ele não poupou juízes da responsabilidade com o que chama de "democracia de baixa intensidade". Para ele, a ministra Cármen Lúcia teve um papel "deplorável" enquanto presidente do Supremo.

Intelectual reconhecido e premiado no mundo todo, Boaventura escreve sobre sociologia do direito, sociologia política, epistemologia e estudos pós-coloniais, movimentos sociais, globalização, democracia participativa, reforma do Estado e direitos humanos, além de fazer trabalho de campo em Portugal, no Brasil, na Colômbia, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde, na Bolívia e no Equador. Entre seus livros mais importantes estão "Um discurso sobre as ciências (1988)", "Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (1994)", "Reinventar a democracia (1998)", "Democracia e participação: o caso do orçamento participativo de Porto Alegre (2002)", "Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos (2013)", "A cor do tempo quando foge: uma história do presente – crônicas 1986-2013 (2014)", "O direito dos oprimidos (2014)" e "A justiça popular em Cabo Verde (2015)". É também diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Boaventura falou à coluna sobre suas análises acerca do momento delicado que vive o Brasil, criticou a esquerda e a direita, afirmou que "dentro da prisão, Lula é o garante da democracia" e disse que os ministros do Supremo se deixaram manipular pelo que pensam ser a maioria: "O tribunal cede de uma maneira perdulária quase, eu diria, ridícula."

Leia a entrevista completa a seguir:

UOL – Qual é a situação da nossa democracia hoje? Como o senhor avalia a degradação da política desde o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff? 
Boaventura de Sousa Santos – Estamos piorando, sem dúvida. No plano institucional sem dúvida houve uma piora. No plano do povo brasileiro, os excessos que foram cometidos e que estão sendo cometidos no caso do ex-presidente Lula da Silva, que são hoje conhecidos internacionalmente e por último agora essa advertência do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que é lamentável, mostra que efetivamente há violações graves que estão a ter lugar aqui no Brasil em relação ao próprio direito eleitoral. No Brasil o preso não perde direitos políticos, ao contrário de outros países como Estados Unidos, portanto essas ilegalidades nesse nível pioraram. 

Diante desse cenário, é possível avaliar que algo melhorou? 
O que talvez tenha melhorado é que se nota mais uma polarização na sociedade brasileira que não se notava. Eu estava muito preocupado – continuo preocupado – com o fato de tanta destruição de políticas que tinham sido conquistas sociais e populares dos últimos 13 anos. Foram destruídas uma após a outra, ou pelo menos, tomaram-se medidas no sentido de destruí-las, sobretudo aspectos dos tetos orçamentais para despesas sociais. Tudo isso tinha sido feito sem grande resistência de parte da população. O Brasil é o país do Fórum Social Mundial, dos movimentos sociais, que parecia tão forte internacionalmente no princípio da década de 2000. De repente dissolveu-se no ar. Essa ausência preocupava-me.

Neste momento, como se dá essa reação?
O que eu estou assistindo este ano é que começa a haver uma resistência. Há o excesso do ataque jurídico e político em relação ao ex-presidente Lula da Silva, o modo como o ex-presidente se comportou em todo esse processo, a solidariedade internacional e o fato de que as consequências dessas políticas restritivas começaram a ser sentidas pela população. Com o aumento do desemprego, a desestabilização da economia, que vinha de antes, e que de certa maneira se agravou, a situação da educação e das universidades, o aumento do racismo, as ocupações militares que estão em curso no Rio, a violência institucional, se criou um grande distanciamento em que o melhor símbolo é a taxa de popularidade – ou de impopularidade – sem precedentes do presidente Temer, que foi realmente o grande arquiteto e o principal beneficiário, durante um tempo, desse golpe.

Passado esse tempo que reflexos há para o PT?
Até o próprio PT está se recuperando. Penso que vai se recuperar no nível do Congresso e do Senado em geral com seus candidatos. A menos que haja um revés em nível presidencial. Há uma mudança no sentido de começar a fazer mais justiça em relação àquele período. O Lula está tendo muito mais influência que antes.

O senhor considera que sem a candidatura do ex-presidente Lula a eleição é legítima ou é uma fraude?
A primeira leitura é de que seria uma fraude [sem Lula]. Mas se levarmos isso muito a sério, qualquer resultado é fraudulento. Se o candidato que o ex-presidente indicou conseguir ser presidente, não podemos dizer que é uma fraude. É uma fraude moral, mas não é uma fraude jurídica. Penso que é preciso legitimar essas eleições e estão sendo legitimadas, quer o presidente Lula esteja dentro da prisão ou fora. Dentro da prisão ele é o garante da democracia. Pela influência que esta tendo. Ele não é um homem só. É mais consensual hoje do que quando era presidente. Foi uma grande mudança que só foi possível porque essa direita oligárquica e golpista quis liquidar um símbolo e fez dele um mártir. Podia ter evitado isso e o Lula estaria fazendo palestras pelo mundo. Mas um mártir não tem erros. Então, com a impaciência da direita, com seu húbris, que é típico de uma estrutura colonial, o que se denota é o ódio à pessoa, não é a rivalidade política. 

Com um candidato como Jair Bolsonaro (PSL), os presidenciáveis Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin (PSDB) têm tentado se descolar da direita, se colocando como candidatos de centro. Qual a sua opinião sobre esse movimento?
A Marina, de quem fui amigo por muito tempo, com quem colaborei muitas vezes, que foi uma grande ministra, injustiçada, uma mulher com uma trajetória extraordinária, mostrou-se muito sinuosa em sua trajetória política posterior. Tentou criar algo nem de esquerda nem de direita, mas que está em todo o lugar. Numa sociedade tão polarizada como a do Brasil, quem se diz nem de esquerda nem de direita é de direita. Marina tem sido um instrumento da direita e está disponibilizada para isso. Mas ela só seria eleita se eles não tivessem os seus. Neste momento há um debate entre eles que só dura até o primeiro turno porque a direita sabe bem o que quer: não quer ninguém de esquerda no segundo turno. Por isso não vai decidir o seu candidato agora, vai manter todos em banho-maria para ver se consegue que todos cheguem ao segundo turno, fundamentalmente o Alckmin e o Bolsonaro.

Que papel teve o Supremo Tribunal Federal (STF) nesse processo de degradação da democracia brasileira? 
O Supremo no Brasil simboliza muito bem o que hoje estamos identificando no Direito: a independência só é possível quando na sociedade há um equilíbrio entre pressões opostas sobre o judiciário. Ou seja, uma pressão de baixo para cima, dos movimentos sociais, e uma pressão de cima para baixo, das oligarquias, das classes dominantes, dos partidos principais, em tentar dominar. Se nós assistirmos o comportamento do Supremo entre 2004 e 2006, era um tribunal para garantir direitos, que procurava manter uma posição positiva na sociedade brasileira. No momento em que o poder político começa a ser instável, que o poder político hegemonizado pelos partidos de esquerda começa a ser posto em causa, em que não há uma mobilização de base em sentido contrário muito organizada, o tribunal cede de uma maneira perdulária quase, eu diria, ridícula, às pressões de cima e se transforma em um tribunal dependente daquilo que pensa ser uma maioria. Mas há varias maiorias hoje no Brasil. O precedente do tribunal deve ser não ir pela regra das maiorias. Eles [os ministros] deixaram se manipular pela maioria. Por essa maioria que eles consideram ser a única que existe e tiveram decisões influídas, como o fato de uma prisão poder ocorrer antes da condenação do caso em julgado e muitas outras coisas não serem pautadas quando deveriam. A presidente Carmen Lúcia teve um papel deplorável nesse sentido. Para mim, particularmente, foi a maior surpresa. É uma pessoa por quem eu tinha a máxima consideração como juíza. Mas hoje sentiu uma pressão de cima, nenhuma pressão de baixo, e deixou que o tribunal se ajoelhasse diante das pressões.

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Como calar um juiz

 

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.