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Supremo deu "pirueta" para justificar prisão antes da hora, diz professor

Maria Carolina Trevisan

09/02/2018 17h49

Entre 2011 e 2016 a população carcerária do Brasil cresceu 40%. Alcançou a terceira posição mundial, chegando a privar de liberdade 726.712 pessoas. Pouco mais de 290 mil brasileiros – ou 40% dos presos -, estão encarcerados provisoriamente. Esse quadro, descrito na pesquisa Infopen 2017 revela um sistema judiciário lento, que prefere prender a garantir o direito à presunção de inocência, situação recorrente quando se trata de tráfico de drogas e envolve a população pobre e negra.

Com o avanço das ações de combate à corrupção e o crescente interesse da sociedade sobre o funcionamento da Justiça, discussões que antes ficavam nos bastidores dos tribunais, agora são feitas nas páginas dos jornais, na internet e pela TV. E visam a punição de figuras públicas e poderosas.

condenação em segunda instância do ex-presidente Lula, em 18 de janeiro, voltou os holofotes para o Supremo Tribunal Federal, responsável por receber eventuais recursos dos advogados do ex-presidente e prolongar, ou não, o processo. O centro da polêmica entre os ministros do Supremo é a legitimidade de uma votação de fevereiro de 2016, em que o Supremo decidiu por 6 votos a 5 que a sentença deve começar a ser cumprida depois de um tribunal referendar a decisão de primeira instância.

Seis ministros votaram a favor da execução provisória da pena: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

Cinco foram contra e defenderam que o réu recorra em liberdade até julgado o último recurso: Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.

"Na minha opinião, o Supremo deu uma pirueta de interpretação constitucional. Uma pirueta hermenêutica", afirma o professor titular de Direito do Estado Floriano Azevedo Marques Neto, eleito novo diretor da Faculdade de Direito da USP.

De acordo com a Constituição brasileira, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; a Constituição também garante que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. "Independentemente de quem seja o réu, não me convenço da interpretação que o Supremo quer dar – ou deu já – e acho uma forçação de barra", afirma o professor Floriano. "O Supremo interpretou um dispositivo desdizendo o texto da Constituição. Isso é muito perigoso no plano jurídico", alerta.

A condenação de Lula pelo TRF-4, pressionou o STF a se posicionar. Primeiro, o ministro Marco Aurélio disse não acreditar na prisão do ex-presidente antes do fim do processo, sob custo de "incendiar o país" e ameaçar a "paz social". Classificou como "extravagante jurisprudência" a votação apertada que mudou o entendimento do Supremo sobre a execução provisória da pena. O ministro também é relator de duas ações que podem levar a corte a rever a possibilidade de prender um réu após condenação em segunda instância. Deixou para a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, marcar a data da análise do tema pelo plenário.

Contrariando o colega, dias depois, a ministra Cármen Lúcia declarou, em jantar com empresários e jornalistas, que revisar a prisão em segunda instância seria, neste momento, "apequenar muito o Supremo", sinalizando que não pretende por em pauta essas ações tão cedo.

Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski – Foto: Carlos Moura/STF

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As divergências públicas entre os ministros se seguiram. Luis Roberto Barroso publicou um artigo na Folha de S.Paulo, que assinou com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogério Schietti, em que defende justamente o oposto de Marco Aurélio: afirma que "voltar atrás nessa matéria traz pouco benefício para a Justiça e grande incentivo à continuidade dos esquemas de corrupção". Para justificar esse pensamento, o ministro se utilizou de uma pesquisa encomendada pelo STJ que conclui que há baixa taxa de absolvição e redução de pena na instância do STJ, portanto, haveria pouco impacto sobre a liberdade dos condenados.

Mas para o professor Floriano Azevedo Marques Neto, não importa que esse percentual seja relativamente pequeno. "A existência de meio por cento de brasileiros inocentes condenados é o suficiente" para que o STF não adote essa regra, ressalta. "A Constituição já disse."

O mais recente posicionamento foi do ministro Ricardo Levandowski que afirmou, nesta sexta-feira 9, em artigo na Folha de S.Paulo, que a prisão antes do trânsito em julgado fere a "presunção de inocência", uma das mais importantes salvaguardas da Constituição. "Afigura-se até compreensível que alguns magistrados queiram flexibilizar essa tradicional garantia para combater a corrupção endêmica que assola o país. Nem sempre emprestam, todavia, a mesma ênfase a outros problemas igualmente graves", escreveu. O ministro chama a atenção para o risco de acontecerem erros judiciais na primeira e na segunda instâncias.

"O problema não está em esperar o trânsito em julgado, não é você ter o direito de recorrer ao tribunal se tem falha no seu processo. O problema está em entender por quê o Judiciário demora tanto em concluir o processo", alerta Floriano. Para ele, pode haver um efeito bola de neve em que, por conta de demora dos processos, se justificaria prender na decisão de primeira instância e assim por diante. "A civilização não avançou no sentido de aprofundar a eficiência da pena. Isso é da Idade Média. A civilização caminhou no sentido de dar garantias para que não tenha um inocente condenado indevidamente."

"O problema está no movimento da Suprema Corte de renunciar ao seu caráter contra-majoritário para cumprir um papel de agradar as maiorias, ou agradar a voz das ruas. O Judiciário corre o risco de amanhã ou depois estar sendo simplesmente um chancelador de chacinas", afirma o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Azevedo Marques Neto.

Há uma vantagem em acompanhar quase ao vivo o desenrolar do debate: formar uma opinião baseada em informações direto da fonte. Mas é preciso compreender a complexidade da formação do país e a fragilidade da democracia em momento de aguda crise política. É preocupante, se for o caso, que a Suprema Corte brasileira esteja sujeita ao vai e vem da opinião pública.

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.