Damares usa caso de racismo para mostrar simpatia e ignora política pública
É um bom sinal que a ministra Damares Alves tenha se indignado com a violência do racismo sofrido pela menina Ana Luísa Cardoso Silva, 9 anos, em Anápolis (GO). Ela ofereceu uma festa de princesa negra à menina. Mas a resposta que se espera de uma ministra para enfrentar o racismo que estrutura a sociedade brasileira é por meio de políticas públicas. Na festa que ofereceu à Ana Luisa, Damares afirmou estar "escrevendo uma nova história no Brasil. Sem racismo". Prometeu trabalhar nas escolas. Qual é a política que ela está costurando com o Ministério da Educação (MEC) para incidir sobre o racismo na infância?
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que antes tinha status de ministério, agora está submetida à direção de Damares. A Seppir foi responsável por implementar políticas afirmativas que mudaram o país, como as cotas raciais nas universidades, os programas de financiamento para o Ensino Superior e a lei 10.629/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Esta última medida, se bem implementada, pode influenciar justamente nesse lugar da não-representatividade das meninas negras nos contos de fadas que a ministra quis amenizar.
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Outras medidas poderiam ser tomadas em parceria com o MEC, que acaba de anunciar ações de incentivo à leitura. No material produzido pelo ministério de Abraham Weintraub para o programa "Conta pra mim" não há, no entanto, qualquer preocupação mais explícita sobre a questão racial, as princesas negras, a história afro-brasileira. Incidir sobre a escolha dos livros de literatura, preocupando-se com a diversidade racial, seria uma iniciativa de longo prazo que poderia mexer nessa estrutura, difícil de quebrar, que forma o racismo.
Além disso, Damares poderia também atentar-se ao fato de que, no Brasil, a cada 100 pessoas assassinadas, 75 são negras. O que foi feito do Programa Juventude Viva, elaborado pela Seppir? Por que Damares não propõe algo ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para frear o corpo negro como alvo de tiro? Por que a Secretaria de Juventude, submetida ao ministério de Damares, não fortalece essa política, uma vez que o homicídio de jovens negros segue crescendo?
Damares demorou para demonstrar indignação quando a menina Ághata Felix, 8 anos, morreu no Complexo do Alemão com um tiro da polícia de Wilson Witzel. "Se comentar cada morte de criança, gastarei o dia todo", chegou a dizer a ministra. A pequena Mulher-Maravilha foi alvejada quando estava protegida pela mãe. Não tem nada mais devastador… Como não se solidarizar com essa mãe? "O tiro de fuzil do Estado não deu tempo para a mãe jogar-se sobre o corpo da filha e talvez receber o tiro em seu lugar", afirmou a escritora Cidinha da Silva, autora de "#ParemDeNosMatar" e "Os Nove Pentes d'África".
A posição de ministra exige uma postura mais contundente no enfrentamento ao racismo, menos superficial, que considere as políticas eficazes que o país já teve e reforce o que ainda precisa ser muito mais bem tratado. Não dar prioridade para políticas de enfrentamento ao racismo é uma maneira de perpetuar o racismo sem muito alarde, naturalizando a sua violência e reforçando a sua estrutura.
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