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Maria Carolina Trevisan

Damares usa caso de racismo para mostrar simpatia e ignora política pública

Maria Carolina Trevisan

23/01/2020 04h00

Ministra Damares Alves – Imagem: Kleyton Amorim / UOL

É um bom sinal que a ministra Damares Alves tenha se indignado com a violência do racismo sofrido pela menina Ana Luísa Cardoso Silva, 9 anos, em Anápolis (GO). Ela ofereceu uma festa de princesa negra à menina. Mas a resposta que se espera de uma ministra para enfrentar o racismo que estrutura a sociedade brasileira é por meio de políticas públicas. Na festa que ofereceu à Ana Luisa, Damares afirmou estar "escrevendo uma nova história no Brasil. Sem racismo". Prometeu trabalhar nas escolas. Qual é a política que ela está costurando com o Ministério da Educação (MEC) para incidir sobre o racismo na infância? 

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), que antes tinha status de ministério, agora está submetida à direção de Damares. A Seppir foi responsável por implementar políticas afirmativas que mudaram o país, como as cotas raciais nas universidades, os programas de financiamento para o Ensino Superior e a lei 10.629/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Esta última medida, se bem implementada, pode influenciar justamente nesse lugar da não-representatividade das meninas negras nos contos de fadas que a ministra quis amenizar. 

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Outras medidas poderiam ser tomadas em parceria com o MEC, que acaba de anunciar ações de incentivo à leitura. No material produzido pelo ministério de Abraham Weintraub para o programa "Conta pra mim" não há, no entanto, qualquer preocupação mais explícita sobre a questão racial, as princesas negras, a história afro-brasileira. Incidir sobre a escolha dos livros de literatura, preocupando-se com a diversidade racial, seria uma iniciativa de longo prazo que poderia mexer nessa estrutura, difícil de quebrar, que forma o racismo. 

Além disso, Damares poderia também atentar-se ao fato de que, no Brasil, a cada 100 pessoas assassinadas, 75 são negras. O que foi feito do Programa Juventude Viva, elaborado pela Seppir? Por que Damares não propõe algo ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para frear o corpo negro como alvo de tiro? Por que a Secretaria de Juventude, submetida ao ministério de Damares, não fortalece essa política, uma vez que o homicídio de jovens negros segue crescendo? 

Damares demorou para demonstrar indignação quando a menina Ághata Felix, 8 anos, morreu no Complexo do Alemão com um tiro da polícia de Wilson Witzel. "Se comentar cada morte de criança, gastarei o dia todo", chegou a dizer a ministra. A pequena Mulher-Maravilha foi alvejada quando estava protegida pela mãe. Não tem nada mais devastador… Como não se solidarizar com essa mãe? "O tiro de fuzil do Estado não deu tempo para a mãe jogar-se sobre o corpo da filha e talvez receber o tiro em seu lugar", afirmou a escritora Cidinha da Silva, autora de "#ParemDeNosMatar" e "Os Nove Pentes d'África".

A posição de ministra exige uma postura mais contundente no enfrentamento ao racismo, menos superficial, que considere as políticas eficazes que o país já teve e reforce o que ainda precisa ser muito mais bem tratado. Não dar prioridade para políticas de enfrentamento ao racismo é uma maneira de perpetuar o racismo sem muito alarde, naturalizando a sua violência e reforçando a sua estrutura. 

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.