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Maria Carolina Trevisan

Quase metade das ações policiais no Rio de Janeiro teve vítimas

Maria Carolina Trevisan

21/11/2019 14h00

O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), participa de inauguração de colégio da PM. Foto: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

Nos primeiros nove meses de 2019, a polícia do Rio de Janeiro matou 1.402 pessoas, segundo dados oficiais do governo do estado.  É um aumento de 18,5% em relação a 2018, ano da intervenção federal na segurança pública do Rio, como mostra o relatório "Retratos da violência", da Rede de Observatórios da Segurança, que pesquisou dados de cinco estados. Também foram registradas 34 chacinas policiais (operações com três ou mais mortos) que resultaram em 123 mortes múltiplas no primeiro semestre de 2019. "Não temos uma política de segurança no Rio de Janeiro, temos uma política de polícia", afirma a socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes. 

O governador Wilson Witzel (PSC) extinguiu a Secretaria de estado de Segurança Pública assim que assumiu. Disse que as secretarias das polícias Civil e Militar dariam conta de resolver as questões da área e que a mudança aproximaria as duas corporações. Mas não é bem assim. O foco da atuação na segurança se voltou para as operações policiais – que geram violência e mortes -, dando menos prioridade para atividades de inteligência e programas de prevenção. "O que as polícias sabem fazer é operação e patrulhamento. No patrulhamento pode ou não ocorrer violência. Nas operações a violência é certa", alerta Silvia. É como se o governo do Rio tivesse optado por radicalizar o pior das políticas públicas anteriores.

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O grau de sucesso de uma operação policial deve ser medido em maior eficiência com a menor letalidade possível, não em número de cadáveres. Em 2019, a Rede de Observatórios da Segurança identificou um aumento de 36,7% das operações policiais e 56% da letalidade. "No Rio de Janeiro, a regra parece ser a letalidade, sem considerar a eficácia. Estamos colecionando uma montanha de mortes. Não existe padrão comparável no mundo", afirma a cientista social. De fato, o Rio se destaca entre os outros quatro estados estudados: São Paulo e Bahia registraram que houve vítimas em 11% e 12% das operações policiais, respectivamente. Pernambuco e Ceará somaram 5% e 3% das operações com vítimas.

Uma das consequências, por exemplo, é que na cidade do Rio a polícia é hoje responsável por mais de 40% dos homicídios e, na região de Niterói, por 44%. "Se nada for mudado, chegaremos brevemente a um cenário em que mais da metade das mortes serão de autoria de policiais", adverte o relatório. 

Apesar de em 2019 o número de homicídios em geral ter caído 22% entre janeiro e agosto em comparação com 2018, não há relação com o aumento das operações e da letalidade policial. "A diminuição desses homicídios se deve a diversos fatores, dos quais os mais relevantes são dinâmicas de disputas entre quadrilhas e acertos entre seus integrantes – pois é o crime organizado aquele que mais produz letalidade, ao disputar o controle de territórios e mercados", explica o documento.

Milícias e mortes de policiais

As dinâmicas da violência no Rio de Janeiro vem mudando e é preciso que o governo se adapte. As milícias vêm ganhando cada vez mais poder e já dominam grandes áreas como São Gonçalo, região dos Lagos, Angra dos Reis, Barra Mansa e Volta Redonda. Com a expansão, precisam recrutar cada vez mais gente, inclusive quem antes trabalhava para o tráfico. Por isso, o foco na guerra às drogas (que identifica a favela como território) não pode ser o único. É preciso considerar esse crescimento dos grupos de milicianos que atuam no estado, sua participação na política e sua característica paramilitar.  

Nesse contexto, é preciso também considerar os riscos para policiais e agentes de segurança. Entre junho e outubro de 2019, 33 agentes de segurança foram vítimas de homicídio no Rio. O perfil dessa violência também vem mudando. Os policiais eram mortos fora de serviço, geralmente ao reagir a assaltos. "Um programa muito bem sucedido e muito sério, chamado "Percurso Seguro", mapeou as áreas de risco para policiais e treinou os agentes para que não reagissem ao serem abordados", explica Silvia Ramos. "Antes o policial fazia um gesto que o bandido conhece. Era morto na hora. Ter arma é muito bom para atacar, mas muito ruim para se defender. A chance de você atirar para matar e não ser morto é muito pequena."  

Treinamento, inteligência e prevenção são mecanismos que podem preservar vidas. A polícia do Rio de Janeiro é hoje a mais violenta do Brasil. Nada justifica. O estado não está entre os 10 mais violentos do país. Ações policiais bem sucedidas são aquelas em que não há tiros e não há mortes. De ninguém.

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.