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Maria Carolina Trevisan

Racismo de deputado deve ser repudiado e punido de maneira exemplar

Maria Carolina Trevisan

20/11/2019 09h34

"Eu não agredi ninguém", disse o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), policial militar, à jornalista Bela Megale momentos depois de arrancar da parede uma charge que denunciava a violência policial contra a população negra na exposição que celebra o Dia da Consciência Negra em plena Câmara dos Deputados. Ele também admitiu que não se arrepende e ameaçou cometer novamente o ato racista caso o cartaz volte à exibição.

Mas ele agrediu, sim. Agrediu metade da população brasileira, negra. Agrediu também os não negros avessos ao racismo. Agrediu até os policiais que ele alegou defender ao arrancar a placa da parede e que não concordam com a política do abate. Agrediu muita gente.

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Mas, principalmente, o deputado Coronel Tadeu agrediu violenta e novamente as vítimas da violência policial e suas famílias. A charge de Carlos Latuff não é mera provocação. É um retrato da realidade cotidiana: 75,4% das pessoas mortas em intervenções policiais entre 2017 e 2018 eram negras, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

O racismo mata. Ele sempre esteve no Brasil, nos acompanhando, desde a escravidão. O racismo vem se moldando aos tempos. Encontrou, no momento atual, campo fértil. Parece que perdeu a vergonha, o medo da punição, e se expressa escancarado em números de cadáveres.

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública

É racismo quando a cada 100 pessoas assassinadas, 75 são negras, no país em que o número de homicídios alcança 57 mil pessoas por ano. É racismo quando a taxa de vitimização de negros é dez vezes maior do que a de brancos. É racismo o fato de 66% das mulheres vítimas de violência letal serem negras, assim como é racismo quando a maioria das mulheres que sofrem estupros, agressões e assédios são negras. É racismo de Estado não enfrentar diretamente essa questão, com políticas públicas. É racismo se omitir. E é racismo estimular a violência policial. A mira das armas está voltada aos corpos negros.

Racismo precisa ser repudiado e punido, mais ainda quando é cometido por um parlamentar, suposto representante do povo, que deve respeitar toda a população e não apenas seus 98.373 eleitores. O deputado Coronel Tadeu arrancou a charge sem sentir vergonha, receio ou constrangimento. Não se trata, neste caso, de embate político partidário. Trata-se de viver em um país assentado e estruturado sobre o racismo. É muito grave. Significa, por exemplo, aceitar a morte da menina Ághata, mini mulher maravilha negra.

Quando não se repele atitudes como a do deputado, a tendência é que o racismo siga se reproduzindo e ganhando força. Ele se acomoda, se naturaliza, se alimenta dessas atitudes. Se não nos surpreende um membro do PSL fazer o que Coronel Tadeu fez, é ainda mais imperativo reagir. Estamos colhendo essa realidade bárbara porque aceitamos, como sociedade, que candidatos do nível do agora deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e do atual governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), quebrassem a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, executada por milicianos e símbolo da luta anti-racista.

Não se pode minimizar o racismo. Se você não sente asco com a atitude do deputado Coronel Tadeu, se não te incomoda de alguma forma o empilhamento de corpos negros pobres, se você não lamenta profundamente que as mulheres negras acumulem preconceitos e desigualdades, você também é racista.

O dia da Consciência Negra existe para nos obrigar a refletir sobre como o nosso racismo se manifesta e os meios de contê-lo – além de celebrar a cultura afro-brasileira e a história negra, que queremos apagar. A lembrança do dia 20 de novembro, que saúda Zumbi dos Palmares, existe para que cada um pare e olhe para esse quadro racial, cujas desigualdades são, ainda hoje, alarmantes e que precisamos reparar. Mas a verdade é que nós, como nação, somos muito mais negros do que admitimos e reconhecemos. Quando permitimos essas mortes, esses atos simbólicos e racistas de parlamentares, estamos ferindo TODOS os brasileiros. Como disse a socióloga Patrícia Hill Collins quando esteve recentemente no Brasil, a liberdade do povo negro é a liberdade de todo o mundo.

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.