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Maria Carolina Trevisan

Bolsonaro e BB: gestão atual retrocede em políticas de diversidade

Maria Carolina Trevisan

25/04/2019 20h52

O veto do presidente Jair Bolsonaro à campanha publicitária do Banco do Brasil dirigida ao público jovem, com atores que representavam a diversidade racial e sexual, pode ter sido o primeiro grande sinal de retrocesso em estratégias corporativas de equidade de gênero e raça do banco. A decisão provocou a demissão do diretor de marketing, Delano Valentim, após telefonema de Bolsonaro ao presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes. A informação foi publicada por Lauro Jardim.


Campanha publicitária do BB vetada pelo presidente Jair Bolsonaro

O Banco do Brasil sempre esteve na vanguarda das ações ligadas a políticas de diversidade de gênero, LGBT, pessoas com deficiência e raça no mercado financeiro. Foi o primeiro banco brasileiro a reconhecer o nome social de funcionários trans e em processo de transição de gênero. O plano de pensão de seus funcionários, o Previ, reconhece relações homoafetivas há 10 anos, assim como seu plano de assistência, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil. Desde 2005, há uma estratégia corporativa de equidade de gênero, raça e LGBT, que ganhou força a partir da gestão de Paulo Caffarelli, entre junho de 2016 e outubro de 2018.

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Mas desde o começo de 2019, essas políticas perderam força. Por exemplo, a agência de notícias do banco não aborda mais o tema da diversidade com a profundidade que fazia nos anos anteriores e campanhas internas de valorização de homens e mulheres trans não é mais prioridade. Há uma forte mudança junto aos públicos interno e externo na abordagem dessas questões. O clima é de tristeza e medo.

O esforço em apoiar e reconhecer direitos como o acesso à pensão e à assistência médica em contexto de relações homoafetivas e de transição podem acabar. "Entre 2016 e 2018, o BB teve uma abordagem interessante e pioneira sobre essas questões. Teve coragem de tocar nas feridas e debater a diversidade no seu amplo espectro – gênero raça, pessoa com deficiência e LGBT – junto aos diferentes níveis hierárquicos. Foi um avanço muito grande e um exemplo para o mercado", lembra a ex-líder do programa de diversidade do BB, Dulcejane Vaz, 50 anos, que trabalhou no banco por 30 anos até se aposentar em 2018. "É como guardar no armário novamente todas as questões referentes à diversidade. É uma pena."  Dulce atua hoje como consultora dessa área para grandes empresas.

Empresas valorizam diversidade no mundo todo

As políticas de direitos humanos nas empresas não podem retroceder. Fazem parte de um guarda-chuva maior, o da sustentabilidade. No mundo todo, empresas buscam cada vez mais contratar funcionários com características diversas, justamente para alcançar e compreender públicos diversos. "Como vou pensar em perspectivas diferentes de consumo sem diversidade? Um lugar de fala diferente é rentável para as empresas", afirma Rodrigo Santini, 39 anos, líder da marca Ben&Jerrys no Brasil. A empresa adota políticas de diversidade internamente e em suas campanhas. Mais de 60% de seus empregados são negros. "A diversidade tem que ser um item básico. Não apenas por causa do lucro, mas também porque a sociedade precisa estar refletida dentro das empresas."

Atualmente, grandes empresas fazem fóruns LGBT para discutir essas questões, criam grupos de afinidade sobre raça para entender o racismo e há serviços que prestam consultorias nessas áreas para implementar estratégias eficientes. Trata-se de levar para dentro das empresas a diversidade, a equidade e a inclusão, muito além de ações afirmativas. O mercado amadureceu e quer essas diferenças. Empresas como IBM, Carrefour, Google, Ambev adotaram políticas de diversidade e buscam se atualizar para seguirem competitivas.

Empresas estatais deveriam estar ainda mais preocupadas em incluir essas políticas. "O Estado, no geral, deveria ser um exemplo. A estrutura que ele apresenta de uma empresa estatal é uma forma de dizer o que ele gostaria de ver na sociedade. Para nós, justiça social é mais que uma questão de mercado", diz Santini. O país só poderá avançar se incluir todo mundo. Neste momento, o Brasil está na contramão do planeta.

 

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.