Prisão de Temer: especialistas veem motivação política e midiática
Na noite de quarta (20), jornalistas já especulavam sobre a operação da Lava Jato que prendeu, na manhã de hoje, o ex-presidente Michel Temer e seu ex-ministro Moreira Franco, ambos filiados ao MDB. Na manhã desta quinta (21), repórteres faziam plantão na porta da casa de Temer, em Alto de Pinheiros, São Paulo. Ao perguntar a um assessor o motivo da presença dos jornalistas, o ex-presidente foi informado de que um "boato na imprensa" dava conta de que o juiz federal Marcelo Bretas teria pedido sua prisão preventiva, como informou Daniela Lima, na Folha.
Temer, que é especialista em Direito Constitucional, duvidou. Não haveria motivo para determinar uma prisão cautelar se ele estava no Brasil e à disposição da Justiça. Enganou-se. "É uma barbaridade", disse por telefone ao jornalista Kennedy Alencar no momento de sua prisão. A espetacularização de sua detenção interessa à Lava Jato, que frequentemente vaza informações e imagens à imprensa. Faz parte de seu jeito de operar.
Mas, por que a prisão acontece hoje? Especialistas ouvidos pela coluna afirmam que há motivação política e midiática.
Contra-ataque
Desde que o ex-juiz Sergio Moro se tornou ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, a operação Lava Jato perdeu força. Algumas figuras tentaram se assemelhar ao comportamento de Moro, como a juíza Gabriela Hardt, que assumiu temporariamente a operação em Curitiba e é admiradora do ex-juiz. Nessa tentativa, Hardt foi dura com Lula durante um interrogatório e tentou intimidar o ex-presidente. Hardt, no entanto, não ganhou o coração dos defensores de Moro.
O juiz federal Marcelo Bretas, da 7a Vara Criminal no Rio de Janeiro, tem mais traquejo nas redes sociais, onde costuma citar a Bíblia. Ocupa, com isso, o vácuo deixado por Moro ao assumir o ministério de Bolsonaro. Alinhado politicamente com o governo atual, Bretas foi responsável pela decisão que prendeu Temer e Moreira Franco nesta quinta. No mandado, ele recorre à necessidade de prisão preventiva, um instrumento do Direito que deve ser usado em casos de exceção porque impõe restrição de liberdade. Trata-se de uma medida de natureza cautelar.
"Por mais que existam indícios robustos de que alguém praticou um crime, a prisão antes da pessoa ser julgada – no caso de Temer e Moreira Franco, sequer foram acusados e se defenderam – deve estar baseada em uma necessidade real de que a liberdade da pessoa colocaria em risco o processo, a aplicação da pena ou a ordem pública", afirma Thiago Bottino, professor de Direito Penal da faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio.
"Não consigo ver na fundamentação nenhuma dessas hipóteses. Se uma das condições para praticar o crime era estar no poder, desde janeiro Temer e Moreira não o tem. Da mesma forma, os indícios de que provas teriam sido destruídas são de 2017, logo, a prisão neste momento é uma medida exclusivamente simbólica, com a finalidade de criar um capital político-midiático para a operação", afirma Bottino.
O artigo 312 do Código de Processo Penal diz que a "prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria". "É uma medida excepcional marcada pela indispensabilidade, ou seja, quando a liberdade do investigado ou réu implicar risco ao esclarecimento da verdade ou à aplicação da pena", diz Cristiano Maronna, mestre e doutor em direito penal e conselheiro da OAB-SP. "Não é o caso de Temer", afirma. Para o desembargador Alfredo Attié, a prisão antes do trânsito em julgado também não se justifica na situação do ex-presidente Temer e do ex-ministro Moreira Franco. "Não tem qualquer evidência de que eles estejam fugindo ou constrangendo pessoas que possam depor. Não há elementos para a decretação de prisão cautelar".
Fato é que a prisão de Temer acontece em um momento em que a Lava Jato sofre um importante revés. Não foi bem aceita a ideia dos procuradores de Curitiba de se criar uma fundação privada de combate à corrupção com os R$2,5 bilhões oriundos da Petrobras a título de penalidades aplicadas pelas autoridades americanas por danos a investidores nos Estados Unidos. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que se elaborasse uma ação para barrar a fundação, que seria encaminhada ao Supremo Tribunal Federal. No texto, Dodge dizia haver "lesão a direitos fundamentais e estruturantes da República" e que a ideia "ofende gravemente a configuração constitucional do MPF". O procurador Deltan Dallagnol, na terça (12), comunicou a suspensão do acordo que previa a fundação. "Há, neste momento, uma disputa de espaço e de poder entre as instituições, o que enfraquece a política e pode solapar as garantias democráticas", alerta Attié. "Quem vai ocupar o espaço de poder sem política?"
Na coletiva de imprensa na tarde desta quinta, os procuradores defenderam que há elementos que justificam a prisão preventiva. Lembraram da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F, que gravou o ex-presidente sugerindo manter o suborno a Eduardo Cunha e Lucio Funaro, quando falou "tem que manter isso aí, viu?". A conversa ocorreu em maio de 2017. O procurador da Lava Jato Rodrigo Timóteo disse que a preventiva tem fundamento porque os crimes continuam a ser praticados pela organização criminosa que se infiltrou nas empresas estatais, "com pagamento de propina". Mesmo assim, o direito de defesa deve ser garantido enquanto o processo caminha.
Em sua decisão, Bretas diz que a preventiva se justifica para "assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução penal". "Assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário, é o que eu considero uma medida exclusivamente simbólica. A prisão de Temer serve para 'mandar uma mensagem' e não para proteger a sociedade", afirma Bottino.
Vale lembrar que está marcado para 10 de abril – daqui a 20 dias – o julgamento no Supremo das ações que tratam de prisão após segunda instância. A Corte sofre com intimidações por ameaças a ministros e seus familiares e estará pressionada quando votar uma pauta tão relevante para – justamente – a garantia do direito de defesa.
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