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Maria Carolina Trevisan

"Candidatura não pode ser escudo para ação irresponsável", diz socióloga

Maria Carolina Trevisan

26/10/2018 15h21

Fachada da Faculdade de Direito da UFF, no Rio, com faixa de "censurado" – Foto: divulgação

A campanha presidencial de 2018 está marcada por agressões, ameaças à democracia e às instituições. O discurso truculento do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, acirrou ainda mais os ânimos polarizados e chegou às ruas: o mestre de capoeira Moa do Katendê foi a primeira vítima fatal do ódio de eleitores bolsonaristas. Seguiram-se outras denúncias de violência, que estão sendo investigadas.

No domingo passado, a uma semana da votação, Bolsonaro afirmou, em transmissão por um telão na Avenida Paulista, que faria uma "faxina" em que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria". Abriu novamente espaço para agressões entre eleitores e sugeriu: "ou vão para fora, ou vão para a cadeia". Também minimizou a fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, sobre mandar fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) com "um soldado e um cabo". Pela primeira vez nesta eleição, ministros do Supremo se pronunciaram contra esse tipo de declaração.

Bolsonaro segue também questionando a lisura do pleito, desqualificando o voto, símbolo do poder soberano do povo.

Do outro lado, o candidato petista, Fernando Haddad, errou ao dizer que o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, seria um dos torturadores do compositor Geraldo Azevedo. Haddad reproduziu, sem checar, a fala do próprio músico – e acabou contribuindo para acusações de que a divulgação de notícias falsas está em ambas as candidaturas.

Nesta quinta-feira (25), universidades públicas em diversos estados brasileiros foram alvos de ações policiais e da Justiça Eleitoral. Estavam atrás de supostas propagandas eleitorais irregulares. Entidades da sociedade civil e comunidade acadêmica reagiram e repudiaram as decisões. Afinal, uma homenagem à deputada Marielle Franco e uma bandeira antifascista não são exatamente propagandas contra o candidato Bolsonaro. São desejos de justiça e de um Estado democrático de direito.

Todos esses fatos levantam questões sobre o papel da Justiça Eleitoral. Até que ponto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode atuar para evitar o aumento da violência, a ameaça às instituições e à democracia? Em que momento esses discursos deixam de ser "liberdade de expressão" para se tornarem incitação ao ódio e ameaças reais, como as vividas pela repórter da Folha Patrícia Campos Mello, que denunciou o esquema de envio de mensagens em massa contra o PT, via WhatsApp, pela campanha bolsonarista?

Para compreender esses limites, a coluna entrevistou a socióloga Jaqueline Porto Zulini, mestre e doutora em Ciência Política pela USP. É pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPESP/FGV), atuou no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e estuda as  instituições políticas brasileiras com ênfase em eleições, relações Executivo-Legislativo e reforma constitucional. Nesta entrevista, ela analisa a atuação das instituições, diz que o estrago causado pelas fake news não tem reparo e avalia as consequências sobre a democracia que esse cenário trouxe ao país. "As cortes precisam se adaptar ao novo fenômeno", afirma. Para ela, há uma linha tênue que separa os discursos de ódio da liberdade de expressão.

Montagem de fotos dos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) – Foto: Reuters Photographer/REUTERS

UOL – Como a senhora vê as recentes ações da polícia e da Justiça Eleitoral nas universidades públicas?
Jaqueline Porto Zulini
– Não podem ser toleradas. Da mesma forma que a Justiça Eleitoral não pode combater as fake news com censura prévia, na área da segurança pública, não pode usar uma candidatura como escudo para agir de forma irresponsável, aniquilando a liberdade de expressão e de associação nas ruas.

Que consequências a forte polarização política irá produzir depois das eleições? 
A polarização política é esperada em um país tão desigual como o Brasil. O problema é quando se transforma em intolerância, como estamos vivenciando agora. Ela se intensificou tão rápido que até os dois candidatos à presidência têm dificuldade em atrair o eleitor mediano. Sobretudo porque o discurso dos populares tem refletido essa intolerância, que retroalimenta a distância entre os candidatos.

A Justiça Eleitoral poderia ter tido um papel mais firme em frear atitudes extremadas, como a incitação à violência? Até que ponto isso seria considerado cerceamento à liberdade de expressão?
É difícil avaliar a atuação da Justiça Eleitoral no olho do furacão. Essas eleições apresentaram uma dinâmica nova, com a disseminação do uso político das redes sociais e dos aplicativos de conversa em detrimento das formas tradicionais de se difundir informação política, como a TV, o rádio e a panfletagem. A Justiça Eleitoral não estava preparada para lidar com a proliferação de denúncias de fake news, por exemplo. Também não estava pronta para lidar com as crescentes denúncias de targenting político, isto é, a capturação de dados pessoais dos eleitores com o propósito de direcionar peças de campanha eleitoral personalizadas para grupos específicos.

Como as redes sociais e os aplicativos modificaram o cenário de disputa eleitoral?
À primeira vista, pode parecer que ter mais acesso à informação pode ser melhor. Porém, o problema da disseminação de materiais de cunho político pelas redes sociais e pelos aplicativos de conversa é a falta de credibilidade do conteúdo compartilhado ou repassado adiante. O eleitor foi bombardeado nessa corrida eleitoral por todo tipo de conteúdo – e acabou sem parâmetro do que é real e do que é ficcional, editado, parcial. Isso levou ao arrefecimento da intolerância, já que acabamos assistindo a uma guerra de conteúdos.

O TSE poderia ter atuado sobre esse compartilhamento de informações falsas?
O TSE não estava preparado para lidar com isso. A corrida eleitoral de 2018 certamente se tornará referência para a criação de um novo protocolo de fiscalização das campanhas eleitorais. A Justiça Eleitoral está diante do desafio de regular o targenting político e as fake news sem apelar para a censura prévia. São questões globais que estão preocupando as cortes e, por isso mesmo, também devem pautar o planejamento da Justiça Eleitoral.

Como fiscalizar também o discurso de ódio e evitar que contamine o eleitorado?
Não é só a Justiça Eleitoral no Brasil que está com dificuldade de encarar esse problema. A profusão de discursos de ódio e incitação à violência é um fenômeno mundial. As cortes estão precisando se adaptar justamente pela situação tênue da linha que separa a liberdade de expressão dos discursos inaceitáveis. Há um consenso sobre o perigo de se partir para a censura prévia e, assim, se comprometer o ideal democrático. De todo modo, é uma minoria que acaba se influenciando pelo discurso de ódio a ponto de partir para um comportamento agressivo.

Quando um candidato pratica o discurso de ódio e é eleito, isso pode legitimar a violência? 
O eleitor pode votar em um candidato por diversos motivos. Pode ser por um discurso mais inflamado (como um discurso de ódio), por uma proposta de política pública, para punir outro candidato (ou partido) que esteve no poder na administração anterior, etc. Então mesmo quando um candidato que dá sonoridade a discursos de ódio e incitação à violência se elege, isso não significa que ele legitime ações violentas.

As mudanças que foram instituídas nesta eleição, como o fim do financiamento empresarial e a diminuição do tempo de campanha, se mostraram positivas ou negativas?
Ainda é cedo para se analisar os resultados do fim do financiamento empresarial e a redução do tempo de campanha. Por enquanto, tudo são especulações. Precisamos de tempo para fazer essas análises e, inclusive, para não contamina-las do calor do momento eleitoral. A reforma política é um tema muito polêmico no Brasil. Não há consenso entre os analistas sobre a conveniência de uma reforma eleitoral.

Quando um candidato põe em suspeita a integridade do processo eleitoral, chega a enfraquecer a instituição responsável por zelar pelo pleito?
Em épocas de fake news, toda suspeita sobre a idoneidade da Justiça Eleitoral na condução das eleições pode ser extremamente danosa para a instituição. Estudos recentes têm mostrado que as pessoas não mudam de opinião após comprovações de notícias falsas e retratações, como se o estrago não tivesse reparo. A divulgação ampla da desconfiança na lisura das urnas eletrônicas, mesmo sem provas substantivas, acaba atingindo a credibilidade delas e presta um desserviço à democracia.

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Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.