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Maria Carolina Trevisan

Ganhador do Pulitzer diz que Trump cria polêmica para esconder Rússia Gate

Maria Carolina Trevisan

08/12/2017 20h53

Douglas Blackmon, jornalista ganhador do Pulitzer analisa ações de Trump – Foto: reprodução

No mais recente episódio de seu programa de televisão American Forum, exibido na última quarta-feira (6), o jornalista americano Douglas Blackmon discutiu as recentes revelações sobre a influência da Rússia no pleito que elegeu Donald Trump. Há três anos transmitido pela PBS, o programa é dedicado a analisar a Presidência da República.

Para Blackmon, a polêmica causada por Trump ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel é mais uma estratégia do presidente americano de criar novas crises para abafar problemas graves, como as consequências da interferência russa nas eleições. "Trump tem a capacidade de mudar de assunto toda vez que está em crise", analisa. As ameaças contra a Coreia do Norte seguiriam a mesma linha, de acordo com Blackmon.

Ganhador do Prêmio Pulitzer em 2009 pelo livro-reportagem "Slavery by another name", Blackmon revelou uma das passagens mais obscuras da história dos Estados Unidos. Mostrou como, para favorecer as corporações americanas no período pós-abolição, entre a Guerra Civil e a Segunda Guerra Mundial, o Estado usou mecanismos de Justiça como meio de perpetuar a escravidão, encarcerando milhares de ex-escravos para garantir o uso de sua mão de obra.

Foi chefe no Wall Street Journal em Atlanta, e correspondente do Washington Post. É professor na Universidade de Virgínia, cresceu em Charlotesville (cidade que abrigou o ato de supremacistas brancos) e se prepara para lançar mais um livro, "Pursuing Justice" (Em busca de Justiça), em coautoria com Eric Holder, ex-procurador geral dos Estados Unidos e o melhor amigo do ex-presidente Barack Obama.

A seguir, ele fala sobre táticas de Trump, diz que o próximo presidente americano precisará do apoio da população negra para se eleger e avalia que impeachment é um mecanismo perigoso. "Nós não queremos impeachment. Para resguardar a democracia, não deveria ser fácil desfazer uma eleição."

UOL – O que há por trás da decisão do presidente Donald Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel? 

Douglas Blackmon – Em primeiro lugar, Trump está simplesmente correspondendo a uma promessa feita aos cristãos evangélicos dos Estados Unidos, que surpreendentemente tem grande apoio dos protestantes conservadores.

Segundo, essa ação seria apenas uma distração. Trump tem provado que foi agraciado com o instinto para mudar de assunto na hora certa, toda vez que está em crise. Atualmente, ele precisa de tanta distração quanto conseguir, uma vez que as investigações do "Russia-Gate" têm avançado com sérias consequências. Com esse inquérito chegando cada vez mais perto da família do presidente – e dele mesmo – ele precisava de algo grande e provocativo para desviar a atenção das graves riscos que agora enfrenta.

Finalmente, a decisão sobre Jerusalém também reflete uma visão real do presidente Trump: ele não tem uma política externa genuína ou princípios que guiem essa política; mas ele tem um senso de negociador que se utiliza de táticas com grandes apostas. Então, na cabeça dele, se essa situação – como o impasse de Israel com seus vizinhos – não foi resolvida em 40 anos, ele quer sacudir tudo, fazendo o que não foi feito por ser considerado "além dos limites" nas quatro décadas anteriores. Ele não compreende a razão complexa que levou ao não reconhecimento de Jerusalém. Mas simplesmente deixar a situação de ponta-cabeça faz sentido para ele.

É a mesma tática que Trump tem usado com a Coreia do Norte? 

Sim. Ele deliberadamente faz ameaças que nenhum outro presidente jamais fez. Infelizmente, há um terrível equívoco na estratégia do presidente Trump. Ele acredita que os posicionamentos diante de Israel e da Coreia do Norte devem mudar radicalmente, uma vez que todas as abordagens anteriores "falharam".  Mas é claro que não falharam. O fracasso na península coreana significaria a eclosão de uma guerra entre as Coreias do Sul e do Norte, ou o disparo de um míssil intercontinental carregando uma ogiva nuclear.

No Oriente Médio, um fracasso seria o retorno de ataques terroristas diários em Israel e uma guerra urbana constante nos territórios ocupados. As políticas das administrações passadas, tanto do Partido Democrata quanto do Partido Republicano trataram de prevenir que esses cenários acontecessem. O presidente Trump não consegue entender isso. É um jogo de xadrez complexo demais para que ele compreenda. Então, ele se revela virando a mesa. 


O que significa a vitória de alguém como o presidente Trump na sequência de dois mandatos de Barack Obama, um presidente negro?
Existem essas movimentações estranhas que acontecem simultaneamente e que permitem, ao mesmo tempo, eleger um presidente negro e fomentar visões muito negativas. A eleição de Trump foi sorte. Se tivesse sido um dia antes ou depois, teria outro resultado. O que me espanta é que exista gente o suficiente para viabilizar essa loucura impensável que é a sua eleição. Isso encorajou os piores pensamentos – que sempre estiveram lá.

Obama é uma figura humana inacreditável, um Deus. A razão para que tenha se tornado presidente é menos o fato de os Estados Unidos terem avançado sobre a desigualdade racial, e mais o que ele representa por ser negro: a renúncia completa de tudo o que veio antes. Obama tem 57 anos. Estará atuante pelos próximos 30. Será a pessoa mais influente dos Estados Unidos. Qualquer candidato que tenha apoio apenas de pessoas brancas terá dificuldade.

Quem pode vir depois de Trump?
Acho que será substituído por um democrata, uma versão mais jovem do [senador] Bernie Sanders, orientada aos pobres, aos trabalhadores, talvez uma mulher. Alguém que lembre John F. Kennedy: brilhante, progressista, com a mente aberta, que possa cativar eleitores médios mas seja genuíno com os de esquerda. Os republicanos talvez escolham um candidato mais moderado que Trump, que tenha apelo para impor sua visão de maneira mais construtiva, que conquiste a classe trabalhadora branca. Ou o partido Republicano busca uma saída para não desmoronar, ou o Democrata dominará o pleito novamente. A discussão sobre racismo seguirá viva.

A manifestação racista em Charlottesville [em agosto] foi uma surpresa?
De modo algum. Fiquei horrorizado, mas não surpreso. Tenho escrito sobre essa facção da sociedade americana há 15 anos. Não é algo novo. Essa extrema direita agitada e reacionária sempre esteve presente. O que aconteceu em Charlottesville foi uma erupção que tornou tudo mais visível. Os supremacistas brancos, "Nazis", representam um pequeno grupo que ganha notoriedade nas mídias sociais. Como jornalista, muitas vezes sei que a KKK fará um evento. Apenas ignoro. A não ser que exista alguma razão para imaginar que há algo mais. Charlottesville foi escolhida por ter uma universidade majoritariamente branca, o que, para propósitos de audiência na TV, funcionaria melhor já que imaginaram que os liberais brancos se uniriam a eles. Vivem dessas figuras ridículas, exagerados, histéricas.

Até pouco tempo atrás, os Estados Unidos mantinham políticas segregacionistas ligadas ao período pós-abolição, que o senhor classifica como "re-escravidão". Que legado há dessa fase?
Nos anos 1960, o então governador do Alabama, George Wallace, era um dos mais famosos líderes segregacionistas nos Estados Unidos. Concorreu à presidência por um terceiro partido e ganhou em meia dúzia de estados. Não chegou perto de se tornar presidente mas teve votos da extrema direita branca americana, a maioria do Sul, que se incomodava com o progresso do movimento por direitos civis. Wallace se situava um tom abaixo da Ku Klux Klan. Essa disputa sinalizava a transformação de um antigo modelo – violento e letal contra negros – para um tipo de política mais aceitável a mais americanos. Porém, até os anos 1960, todos os brancos moradores do Sul dos Estados Unidos, pobres ou não, eram obrigados a se declarar "segregacionistas".

Como se deu essa transição?
O movimento por direitos civis avançava, o presidente John F. Kennedy apoiava a causa – apesar de nunca ter tido uma conversa com uma pessoa negra na vida, a não ser, talvez, com o mordomo. Martin Luther King se recusou a ir à Casa Branca por um longo tempo. Até que Kennedy finalmente abraçou o Ato por Direitos Civis, que foi a lei mais importante para mudar essas questões. Então, foi assassinado.

Nesse momento houve uma reacomodação das forças políticas. Os supremacistas brancos do Sul se transferiram do partido Democrata para o Republicano e "suavizaram" o discurso. Nos últimos 50 anos, vimos republicanos lidando com os mesmos conflitos que democratas travavam antes. O branco racista passou a ser retratado em filmes e na televisão como uma caricatura estúpida, desprezada pela sociedade. Foi bom. Mas alimentou ressentimentos. O Tea Party é um reflexo disso, surge como uma reação à eleição de um presidente negro.

Há possibilidade de um impeachment do presidente Trump?
Nós não queremos impeachment. Para resguardar a democracia, não deveria ser fácil desfazer uma eleição. O funcionamento do sistema pode ser frustrante, mas houve um resultado, milhões de votos. Tudo o que podemos fazer é votar na próxima eleição. Depois, podemos mudar o sistema. Até lá precisamos viver com Trump enquanto a democracia permitir. Qualquer um que tente ultrapassar o limite do que é consentido pelo sistema ameaça a própria democracia. Um dos aspectos mais poderosos da existência humana em termos de estabilidade e paz é a habilidade de aceitar a derrota.

 
 
 

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.