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Maria Carolina Trevisan

OMC pode ser liderada por uma mulher pela primeira vez – e talvez a última

Maria Carolina Trevisan

15/05/2020 14h32

Logotipo da Organização Mundial do Comércio (OMC) na fachada dos escritórios da organização, na Suíça – Denis Balibouse-2.out.2018/Reuters

Por Maria Carolina Trevisan e Jamil Chade (de Genebra)

Depois de 25 anos de existência, a Organização Mundial do Comércio (OMC) poderá, enfim, ser dirigida por uma mulher. Mas, se não for capaz de se reinventar frente à crise econômica global imposta pela pandemia de Covid-19, este pode ser também o último período de vida da organização, atualmente mergulhada na irrelevância.

A renúncia do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo do cargo de diretor-geral, anunciada nesta quinta (14), um ano antes do fim de seu mandato, mostra a gravidade do momento em que se encontra o organismo multilateral. Disputas entre Estados Unidos e China e o desequilíbrio criado pelos subsídios dados pelos países ricos ao setor agrícola vêm corroendo a entidade. Em suas exigências recentes, a Casa Branca vetou a nomeação de juízes para o Órgão de Apelação da OMC, o que abalou profundamente as regras internacionais do comércio e concretizou a prescindibilidade do organismo. 

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"Agora devemos assegurar que o comércio contribua para a recuperação econômica global a partir da pandemia da COVID-19", disse Azevêdo, em seu discurso ao anunciar sua saída. "Sabemos que a OMC não pode ficar congelada enquanto o mundo ao seu redor muda profundamente. Garantir que a OMC continue a ser capaz de responder às necessidades e prioridades dos membros é um imperativo, não uma opção."

Com a mudança em sua direção-geral, cresce também a pressão pela escolha de uma mulher na liderança da OMC. A paridade de gênero é uma das promessas do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em todos os cargos de alta direção da ONU até o final de seu mandato. A habilidade de mulheres em agregar pessoas e promover o diálogo em situações delicadas como é a pandemia do novo coronavírus seria bem-vinda na reconstrução da OMC. Por outro lado, a possibilidade de que isso aconteça justamente no momento de maior fragilidade da instituição também é um sinal claro de que cargos de liderança são direcionados a elas quando perdem importância. É como funcionam sociedades que privilegiam o patriarcado. 

Sucessão

É recente que mulheres ocupem cargos de liderança em organismos internacionais ligados ao sistema monetário, ao contrário de órgãos que atuam na área social, como Unesco e Organização Mundial da Saúde. O Fundo Monetário Internacional (FMI) levou 65 anos até ser comandado por uma mulher, a advogada, economista e política francesa Christine Lagarde, que atualmente exerce o cargo de presidente do Banco Central Europeu. Hoje, o FMI é dirigido pela política búlgara Kristalina Ivanova Gueorguieva, que foi diretora-geral do Banco Mundial entre 2017 e 2019.

O Banco Mundial nunca teve uma presidente mulher, desde que nasceu, em 1946. Os três – OMC, FMI e Banco Mundial – fazem parte do tripé do sistema de Bretton Woods, uma ordem monetária internacional negociada, cujo objetivo é mediar relações monetárias entre Estados independentes.

Candidatas extremamente preparadas para o cargo na OMC não faltam. Mas também não faltavam antes. Pelo menos duas das principais cotadas já foram candidatas em outras ocasiões: a costa-riquenha Anabel González, 56 anos, foi diretora da divisão de agricultura da OMC e diretora sênior da Prática Global de Comércio e Competitividade do Banco Mundial, além de ex-ministra do Comércio da Costa Rica; e a diplomata Amina Chawahir Mohamed, 60, ex-presidente do Conselho Geral da OMC e da Organização Internacional para as Migrações, que é atual secretária de Esportes e Cultura do Quênia.

A atual ministra das Relações Exteriores da Espanha, Arancha González Laya, 50 anos, ex diretora-executiva do International Trade Center (agência conjunta da ONU e da OMC) e ex-secretária-geral-adjunta das Nações Unidas seria uma das melhores apostas para ocupar o cargo. Mas ela assumiu o ministério há apenas dois meses – por isso, seria improvável que concorresse ao cargo na OMC.

Buscar uma mulher para dirigir uma instituição falida, quase impossível de reerguer, pode ser, ao mesmo tempo, um reconhecimento da competência das mulheres em gerir um desafio enorme, mas também um carimbo de que os mecanismos das sociedades solidificadas pelo patriarcado continuam vigentes e operantes. O grande risco que elas correm é: a primeira mulher a assumir a direção da OMC pode ser também a última.

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.