O que significa o beijo lésbico da primeira prefeita eleita de Bogotá?
Pela primeira vez na história, uma mulher foi eleita prefeita de Bogotá, capital da Colômbia. Claudia López, 49 anos, da coalisão entre Partido Alianza Verde e Polo Democrático Alternativo, é também assumidamente lésbica, companheira da senadora Angélica Lozano. "Obrigada, Angélica, por estar sempre aqui, por ser o amor da minha vida e por me fazer feliz a cada dia", declarou Claudia, em seu primeiro comunicado como prefeita eleita da capital colombiana, no domingo (27). Ela superou em quase 3 pontos Carlos Fernando Galán, do Partido Cambio Radical, seu principal oponente e que se coloca à direita do espectro político.
Assim que soube do resultado das urnas, Claudia se reuniu com familiares, equipe e apoiadores. O primeiro registro da comemoração é um longo beijo entre Claudia e Angélica. A imagem viralizou e provocou reações de apoio e de rechaço à expressão de amor das duas.
"Entendo a agitação, a controvérsia, a discussão. É parte da mudança que está ocorrendo na nossa sociedade. Eu não pretendia desafiar ninguém. [O beijo] é algo natural, qualquer um que tivesse ganhado, tenho plena certeza, se [o candidato] Carlos Fernando tivesse ganhado, teria beijado com amor sua esposa, sem dúvida. E, seguramente, Miguel [Uribe, outro candidato] também. Do ponto de vista íntimo, familiar, foi uma vitória extraordinária e como não compartilhá-la com minha mãe e com o amor da minha vida, que tem sido o pilar da minha vida e será sempre?", disse nesta segunda (28), em uma entrevista para uma rádio local.
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Fato é que Claudia foi eleita com 1,1 milhão de votos, 35,21% do total, em uma eleição com baixa abstenção. Ao contrário das tendências polarizadas que vêm fagocitando países da América Latina, a campanha de Claudia López pregou a união. Com o mote "inspirar, unir e ganhar", o Partido Verde derrotou legendas tradicionais encabeçadas por homens brancos e heteros. "Bogotá votou para que derrotemos, superemos e desaprendamos o machismo, o classismo, o racismo, a homofobia e a xenofobia. Que não haja dúvidas: Bogotá votou porque a mudança e a igualdade são imparáveis", disse, em seu discurso de vitória.
Claudia tem origem humilde, é filha de María del Carmen Hernandez, uma professora (muito presente durante toda a campanha), e revelou um trauma perene: a perda de sua irmã, aos três anos, em um acidente. Ela tinha quatro. Engajou-se no movimento da Sétima Papeleta, em 1990, quando estudantes de diversas universidades apoiaram a convocatória de uma Assembleia Constituinte, que originou a Constituição de 1991.
É graduada em Finanças, Governo e Relações Internacionais pela Universidade Externado de Colombia, tem mestrado em Administração Pública e Política Urbana pela Universidade Columbia, em Nova York, e doutorado em Ciência Política pela Universidade Northwestern, de Chicago. Curou-se de um câncer e, em 2014, foi eleita senadora com 81 mil votos. Sua história de superação atraiu a empatia da população colombiana.
A prefeita eleita de Bogotá também se tornou relevante no cenário político colombiano por sua bandeira contra a corrupção. Na academia, denunciou o escândalo da Parapolítica, que tratava da relação de grupos paramilitares com congressistas. No Senado, liderou uma consulta pública sobre a Lei Anticorrupção, que buscava endurecer as leis sobre esse crime. Conseguiu 11,6 milhões de votos, a maioria a favor do "sim", mas não alcançou o número suficiente para transformar a demanda em lei. Em 2018, foi candidata à vice-presidência do país junto a Sergio Fajardo. A chapa foi considerada uma terceira via entre as forças polarizadoras daquele ano, obtendo 23,74% dos votos.
Agora, celebra a vitória na maior votação da história de Bogotá. "Nos unimos, ganhamos, fizemos história." Sua conquista mostra também a crise dos partidos políticos tradicionais, assim como em outras partes da América Latina. A polarização parece não mais preencher o vazio que sentem os eleitores e a exaltação do ódio começa a se mostrar um fracasso sob todos os pontos de vista. Claudia ganhou defendendo políticas públicas de gênero, o enfrentamento da violência contra a mulher, a importância da juventude, a justiça social, o acesso à educação e à saúde, a liberdade dos movimentos sociais e a garantia de direitos, inclusive direitos trabalhistas.
Tendência?
A eleição de Claudia López em Bogotá –e a rejeição a uma política endurecida e conservadora– não é um fenômeno isolado na América Latina atualmente. A Argentina elegeu Alberto Ángel Fernández e Cristina Kirchner, do Partido Justicialista, em clara demonstração de que a política econômica neoliberal de direita de Mauricio Macri não agradou. No Uruguai, país que perseguiu e explorou sua população negra durante a escravidão e ditadura, Gloria Rodríguez é a primeira mulher negra a ocupar um cargo no Senado. No Chile, uma convulsão social mostra grande descontentamento popular pelas políticas que privatizaram serviços e agravaram a desigualdade no país.
Ao que parece, quanto mais se ameaça o acesso a direitos, quanto mais se endurece a política econômica e se agrava a violência de Estado, mais potência ganha a exaltação da igualdade, do amor, da paz e do diálogo. Isso move o eleitorado. Como disse Claudia López, a ocupação dos espaços de poder pelas mulheres é imparável. Não tem volta atrás.
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