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Maria Carolina Trevisan

McDonald's enfrenta denúncias de assédio e discriminação no Brasil

Maria Carolina Trevisan

23/05/2019 11h38

Renan Alves dos Santos tinha 18 anos quando começou a trabalhar em uma loja do McDonald's, no período noturno. Dois anos depois, em agosto de 2016, foi demitido sem justa causa. A demissão, segundo Renan, foi uma represália: ele não cedeu ao assédio sexual de seu chefe. "Ele me demitiu porque eu não quis ter relações com ele", contou o jovem, com exclusividade, ao UOL. Além de mensagens por celular, seu superior enviou fotos de suas partes íntimas, de acordo com o que consta no Boletim de Ocorrência. "Um dia eu estava me trocando no banheiro e ele tentou me agarrar. Eu não quis reagir fisicamente para evitar ser mandado embora por justa causa. Eu precisava daquele serviço", lembra.

Segundo Renan, sabendo de sua condição social vulnerável e que ele não poderia abrir mão do salário, seu chefe passou a humilhá-lo. Ele conta que em uma noite obrigou o jovem a fazer toda a limpeza para, só depois, poder jantar. "Fiquei sem comer até às 4 horas da manhã." Ao ser demitido, fez um Boletim de Ocorrência e denunciou o funcionário. O McDonald's respondeu ao episódio demitindo o assediador. Mas outros funcionários sabiam o que acontecia no local e "ninguém tomou qualquer atitude", conta Renan.

Reprodução do B.O.

O caso de Renan não é isolado. Nos Estados Unidos, funcionários e ex-funcionários do McDonald's relatam terem vivido repetidos casos de assédio sexual e perseguição após denunciarem a ocorrência de violações no ambiente de trabalho. Nesta terça (21), houve protestos em Chicago, quando foram apresentados 25 novos casos contra a gigante de fast food. Na próxima quinta (23), haverá nova mobilização.

No Brasil, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) – que representa 9 milhões de pessoas – juntou 25 ações individuais de assédio sexual, moral e discriminação e apresentou ao Ministério Público do Trabalho do Paraná. O procurador Alberto de Oliveira Neto, que recebeu a denúncia, afirmou que investigações foram abertas para compreender a situação e avaliar sobre a abertura de inquérito contra a empresa. "Ações individuais são indícios mas não são provas de que existe uma política institucional de omissão da empresa", afirma. "Documentos e depoimentos devem ser analisados antes que o MPT se manifeste de forma definitiva". A próxima audiência para investigar esses casos será em 10 junho.

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No Brasil, a maioria das lojas do McDonald's pertence a Arcos Dorados, a maior franquia McDonald's do mundo. De acordo com a empresa, isso permite maior controle sobre políticas de recursos humanos das lojas. São 970 restaurantes e 50 mil funcionários diretos. A empresa prometeu abrir mais 18 mil vagas em 2019 no país. A maioria de seus funcionários é jovem e busca o primeiro emprego, como Renan.

"A Arcos Dorados, operadora da marca McDonald's no Brasil , reitera que não tolera nenhuma forma de discriminação ou assédio de qualquer natureza. A empresa também reafirma seu compromisso de respeito e de cumprimento da legislação trabalhista, além de proporcionar condições adequadas de trabalho a todos os seus empregados. Eles, inclusive, recebem treinamentos do Código de Conduta para os Negócios, em que são instruídos a agir de maneira responsável e respeitando as regras da companhia. A empresa, como sempre, está à disposição das autoridades para esclarecer suas práticas", consta na nota do McDonald's enviada ao UOL. A empresa afirma que tem canais de denúncia para funcionários.

Para Renan, agora com 23 anos, as marcas das humilhações que diz ter sofrido se perpetuam ainda hoje. Gosta do ramo da alimentação e, por ele, teria continuado no McDonald's. Ele queria crescer na empresa. Atualmente, quando vai a uma entrevista de emprego precisa justificar o motivo de não ter seguido carreira. Quando responde saiu do emprego anterior sempre perde a vaga. O medo também o acompanha e fez com que se recolhesse, muito diferente do jovem alegre que entrou no McDonald's e teve pela primeira vez carteira assinada.

"Isso tudo interfere na minha vida profissional até hoje", diz. Agora ele procura trabalho em Curitiba. Ficar sem uma ocupação não é uma opção para o segundo filho de dona Luciana, auxiliar de cozinha, que tem outros quatro filhos e é casada com um caminhoneiro. Foi ela quem deu coragem a Renan para que ele fosse à delegacia registrar o B.O. que levou à demissão do funcionário. Em 2017, ele entrou com um processo contra o McDonalds. Em março de 2019, o processo culminou em um acordo de indenização no valor de R$ 18 mil pelos danos sofridos. O caso de Renan também faz parte das investigações que o Ministério Público do Trabalho está encampando.

Sobre a autora

Maria Carolina Trevisan, 40, é jornalista especializada na cobertura de direitos humanos, políticas públicas sociais e democracia. Foi repórter especial da Revista Brasileiros, colaborou para IstoÉ, Época, Folha de S. Paulo, Estadão, Trip e Marie Claire. Trabalhou em regiões de extrema pobreza por quase 10 anos e estuda desigualdades raciais há oito anos. Coordena a área de comunicação do projeto Memória Massacre Carandiru e é pesquisadora da Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós Graduação. É coordenadora de projetos da Andi - Comunicação e Direitos. Em 2015, recebeu o diploma de Jornalista Amiga da Criança por sua trajetória com os direitos da infância.

Sobre o blog

Reflexões e análises sobre questões ligadas aos direitos humanos: violência, polícia, prisão, acesso a direitos, desigualdades, violações, racismo, sistema de Justiça e política.